17 setembro 2010 0:00
17 setembro 2010 0:00
Não há como uma má forma para matar uma boa ideia. Veja-se só o que aconteceu à revisão constitucional, apresentada pelo PSD.
Portugal tem uma Constituição que é um atentado à liberdade. Desde logo pelo seu preâmbulo, essa 'relíquia' do período revolucionário, em que uma larga maioria dos deputados da Constituinte decidiram, muito democraticamente, que a nação deveria evoluir, obrigatoriamente, para uma "sociedade socialista". Exageros explicáveis pelo contexto da época, dirão. Talvez. Mas, como se explica, quase quarenta anos depois, que esse miserável ditame se mantenha impassível na abertura do texto constitucional ferindo a liberdade eleitoral e de governo das futuras gerações?
O preâmbulo constitucional está longe de ser apenas um detalhe porque dá nota do espírito que inspirou boa parte do articulado seguinte, numa Constituição que é um cardápio de piedosos ideais, ideologicamente marcados, sem qualquer aderência à realidade e que vicia o sistema político e condiciona gerações subsequentes à tirania dos direitos adquiridos no trabalho, à gratuitidade de sistemas sociais e, necessariamente, à insustentável pressão fiscal crescente. A Constituição só não chegou ao ponto de prometer a vida eterna... porque essa seria, convenhamos, uma promessa de inspiração muito pouco socialista!
Foi visível, nomeadamente na Legislatura de 2002 a 2005, a forma como a nossa palavrosa Constituição interferiu com a liberdade de um governo, maioritário e democraticamente eleito, do PSD-CDS. A minimalista reforma das leis laborais, conhecida pelo 'código Bagão Félix', tardou quase dois anos a passar os crivos constitucionais e a estar em condições de ser executada. A regulação do rendimento mínimo garantido, limitando o seu acesso a adultos com menos de 25 anos e em condições de trabalhar, foi bloqueada pela douta leitura dos juízes do tribunal constitucional.
Mas, com esta Constituição, não é só um governo de 'direita' que vê limitada a sua liberdade de governação. A reforma da administração pública, se quisesse considerar a eventual redução de salários na função pública (executada em Espanha, Grécia, Itália, Irlanda e Reino Unido), muito provavelmente esbarraria em preceitos constitucionais. O próprio PS está limitado na sua actuação governativa e não pode fazer tudo aquilo que é necessário no momento actual.
A forma desastrada e inábil com que Passos Coelho apresentou, antes de férias, a sua proposta de revisão constitucional faz desta, provavelmente, uma oportunidade perdida. Uma proposta séria deveria ter sido apresentada no momento certo - depois das eleições presidenciais -, previamente discutida com o PS e o CDS e limitar-se àquilo que é essencial para gerar o consenso dos dois terços necessários do Parlamento. Exactamente o contrário do que Passos Coelho fez, transformando a próxima revisão constitucional numa matéria de arremesso político, demagógica e habilmente explorada por Sócrates em seu benefício eleitoral.
A sustentabilidade económica e financeira de Portugal é anticonstitucional. É necessário rever em profundidade a Constituição. Mas, com líderes políticos destes, não vamos lá. Quem aconselha Passos Coelho???
Pires de Lima escreve de acordo com a antiga ortografia
Texto publicado na edição do Expresso de 11 de setembro de 2010
