Henrique Raposo

A herança

22 outubro 2010 0:00

Henrique Raposo (www.expresso.pt)

22 outubro 2010 0:00

Henrique Raposo (www.expresso.pt)

Caro José Sócrates, a sua incompetência económica só é comparável à sua irresponsabilidade politiqueira. Depois de afundar o país num mar de dívidas, V. Exa. ainda tem a lata de fazer chantagem com a oposição. Sim, chantagem.

Aliás, eu tenho a impressão de estar no meio de um thriller manhoso: ante o polícia de arma em punho, o vilão desdentado ameaça que vai matar um refém, e, por isso, acaba por desarmar o polícia. V. Exa. é este vilão. Para ameaçar o PSD, V. Exa. apontou uma arma à cabeça de Portugal, e disse: "se não fazes o que eu quero, eu demito-me e lanço o país no caos". Bom, eu só espero que Passos Coelho perceba uma coisa: esse caos seria o melhor que podia acontecer a V. Exa. e ao PS. Não abane a cabeça com esse ar de indignação postiça, que não vale a pena.

O meu caro amigo está interessado no caos, porque julga que pode diluir as suas responsabilidades no meio da confusão. Aliás, V. Exa. acha que o fumo e pólvora do FMI podem ocultar um facto simples: o PS está no poder há 15 anos, e é o grande culpado pela nossa triste situação. Como diz? Ah, ok, vamos lá ser picuinhas: nos últimos 15 anos, o PS governou 12 anos e meio.

Mas deixemos de lado os 15 anos de socialismo, e olhemos apenas para os seis anos de 'socratismo'. E, a este respeito, convém começar mesmo pelo início. Lembra-se das primeiras palavras que V. Exa. proferiu na noite da vitória eleitoral de 2005? Eu ajudo: V. Exa. gritou "conseguimos, camaradas".

Ou seja, o meu caro amigo não falou para os portugueses, falou para os militantes do PS. Pois bem, passados seis anos, podemos dizer que V. Exa. foi um péssimo primeiro-ministro, mas foi, de facto, um generoso líder do PS. O seu Governo deixou o país na miséria, mas instalou boys com um impecável rigor suíço. Tal como demonstrou a "Sábado", o PS encheu o Estado e as empresas públicas com boys sem CV.

Em suma, enquanto o país se afundava, o PS banqueteou-se no Estado.

E, por falar em banquetes, o que me diz sobre as PPP? São 50 mil milhões de euros que vêm aí. Ora, um Estado que deve 50 mil milhões em PPP é um Estado que foi saqueado por interesses privados 'branqueados' pela política.

O que não deixa de ser irónico: V. Exa. foi incapaz de criar uma economia de mercado saudável, gritou 'neoliberalismo' sempre que se falou em abrir sectores-chave aos privados, mas depois permitiu que alguns privados colonizassem o Estado através das PPP. Ou seja, V. Exa. travou o capitalismo onde 'ele' devia existir (na sociedade civil, na economia), e, ao mesmo tempo, potenciou o capitalismo onde 'ele' não devia existir (o Estado, a 'coisa pública'). Rendo-me ao seu génio.

I rest my case (II)

O prémio Nobel da Economia foi entregue a três economistas (Peter Diamond, Dale Mortensen e Christopher Pissarides) que estabeleceram uma relação de causa/efeito entre (1) generosos subsídios de desemprego e (2) desemprego. Como diz, caro leitor? Isto é desrespeitar o Estado social? Ora, se calhar, é tempo de repensar o chamado Estado social. Se calhar, é tempo de colocarmos em cima da mesa os efeitos pouco 'generosos' da 'generosidade' dos subsídios. Como? Não me critique, caro amigo. Critique a comissão do Nobel.

Henrique Raposo

Texto publicado na edição do Expresso de 16 de outubro de 2010