Opinião

Cavaco Silva tem (toda a) razão

Cavaco Silva tem (toda a) razão

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

O Partido Socialista que agora reage como “virgem ofendida” é o mesmo que, há não muitos anos, exultava com as acusações feitas pelo dr. Mário Soares ao governo de Passos Coelho

Como sempre acontece quando o Professor Cavaco Silva, em intervenções públicas, lhe endereça críticas, o Partido Socialista perde a cabeça. E, curiosamente, comete sempre os mesmos erros.

O primeiro desses erros é, desde logo, responder nos termos em que o faz. Não compreendendo que isso apenas tem como resultado o inverso daquilo que lhe interessaria, isto é, amplificar o teor das imputações que lhe são dirigidas. A única atitude inteligente seria, assim, desvalorizar, remetendo tais reparos, dos quais, naturalmente, se discordaria, para o exercício normal do direito de opinião. Mas, ou o receio que têm do antigo Presidente da República é muito, ou a célebre central de informações não percebe coisas simples, ou ambas.

Mas, já que optam por responder, então que tenham cuidado com aquilo que dizem e como o dizem – e aí surge o segundo erro.

Pela voz de vários dos seus responsáveis, o PS evidenciou, de imediato, toda a sua irritação. Acusou Cavaco Silva de “agressividade e violência verbal”, de fazer um discurso eivado de “raiva e ódio”, de utilizar uma “linguagem ofensiva e antidemocrática” ou de ter perdido “o sentido de Estado que se exige”.

Ora, como diz o povo, “pela boca morre o peixe”. E o Partido Socialista que agora reage como “virgem ofendida” é o mesmo que, há não muitos anos, exultava com as acusações feitas pelo dr. Mário Soares ao governo de Passos Coelho, frequentemente muito mais violentas. E, para que não sobrem dúvidas, cito (apenas) algumas.

"Se o Governo não se sente moribundo, é porque não tem sensibilidade. Se o Governo tivesse sensibilidade talvez se demitisse, mas como não tem sensibilidade não se demite por enquanto. Mas devia demitir-se” (declarações à margem da inauguração de uma exposição fotográfica, em 18 de setembro de 2012).

“Este Governo tem que cair e espero que caia o mais depressa possível” (entrevista à Agência Brasil, em 25 de abril de 2013).

O Governo é “uma desilusão absoluta” e a melhor inversão que poderia dar era “ir-se embora” (declarações no lançamento de um livro, em 6 de junho de 2013).

“Portugal, nestes dois anos, foi de mal a pior. É incontestável. Além de incompetente, Passos é inconsciente” (Diário de Notícias, 11 de junho de 2013).

“Uma parte deste Governo, não são todos claro, é um Governo de delinquentes (…). Estes senhores têm de ser julgados depois de saírem do poder. (…) Como é possível que o Primeiro-Ministro não se demita a ele próprio, depois de saber que é vaiado em toda a parte, que ninguém o toma a sério (…) e continue agarrado ao poder, como uma lapa? (…) Este Governo não presta (…) Não tem rei nem roque, nem sabe o que quer, nem sabe para onde vai” (entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, em 13 de outubro de 2013).

Deixo a cada leitor a apreciação da gravidade comparativa do conteúdo das acusações e da respetiva forma. Recordo, apenas, que o PSD, à época, se limitou a aceitar que se tratava do legítimo exercício da liberdade de expressão a que qualquer cidadão tem direito e, por maioria de razão, um anterior Presidente da República. E que tratou o dr. Mário Soares, sempre, como respeito que é devido a alguém a quem a nossa democracia tanto deve.

É inegável que a análise feita pelo Professor Cavaco Silva relativamente à atuação, em todos os planos, do Governo, foi politicamente arrasadora. Mas, o que importa é saber se, na sua apreciação, faltou à verdade. E não faltou.

Faltou à verdade quando disse que, sem um crescimento sustentável da economia portuguesa de cerca de 3-4% ao ano, não é possível melhorar a qualidade dos serviços prestados pelo SNS, pela escola pública e pela justiça e deixar de ser um país de salários baixos, em que o salário médio está próximo do salário mínimo? Não, não faltou.

Faltou à verdade quando afirmou que é impossível a combinação entre despesa pública corrente muito elevada, baixo nível de investimento produtivo e aumento do poder de compra dos salários? Não, não faltou.

Faltou à verdade quando considerou que os cidadãos não podem sentir-se felizes ao saberem que Portugal tem vindo a ser ultrapassado em matéria de desenvolvimento por países da Europa de Leste que aderiram à União Europeia em situação de desenvolvimento muito inferior ao nosso? Não, não faltou.

Faltou à verdade quando indicou que Portugal é um dos países do mundo ocidental de maior carga fiscal, superior até aos países mais ricos da União Europeia? Não, não faltou.

Faltou à verdade quando se interrogou sobre se é normal e benéfico que um governo com maioria absoluta e um ano de existência tenha sido forçado a substituir 13 dos seus membros, vários deles por violações graves da ética política? Não, não faltou.

Faltou à verdade quando asseverou que, nos últimos tempos, não houve um dia em que, na imprensa ou na televisão, não fosse feita a demonstração de que o Governo mente? Não, não faltou.

Faltou à verdade quanto antecipou que o atual governo vai deixar um país com um stock de capital físico fraco, uma juventude qualificada e inovadora em fuga para o estrangeiro, um Estado enorme e ineficiente, uma produtividade baixa, um nível de impostos demasiado alto para o nosso nível de desenvolvimento e uma pequena taxa de poupança? Não, não faltou.

E muitos outros exemplos poderia aqui deixar, mas não me é possível, porque o texto do discurso é longo e esta crónica necessariamente curta.

Na política, como na vida, quando nos são endereçadas críticas certeiras há sempre duas alternativas: alterar o rumo ou persistir no erro. Pela reação descabelada do Partido Socialista, já se vê que prefere a segunda. É pena. Mas não é surpreendente.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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