Opinião

O mal amado

O mal amado

Fátima Fonseca

Deputada do PS

Desenvolver um modelo de gestão do desempenho que promova boas práticas, aumente a eficiência, motive as pessoas e melhore os resultados, cria mais uma oportunidade para reconfigurar o futuro da Administração Pública

De vez em quando, o Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública, o mal amado SIADAP, vem à baila. Recentemente, por ocasião de uma audição parlamentar da Ministra da Presidência, o tema ressurgiu, pois a revisão deste regime está em negociação com os sindicatos da Administração Pública (AP).

Pode parecer mais um tema técnico e desinteressante, centrado no eterno debate em torno das quotas. Mas reduzi-lo à mera discussão sobre remunerações e avaliação de pessoas seria simplista e redutor. Sendo um “sistema integrado” de gestão do desempenho, é um instrumento muito importante para gerir bem os serviços públicos, pois deve garantir que o desempenho das pessoas contribui para o desempenho dos seus serviços, e que este se repercute na melhoria da qualidade do serviço aos cidadãos. O que significa definir objetivos para os serviços, os dirigentes e os demais trabalhadores, de forma alinhada, para que todos contribuam para esta finalidade última: incrementar a eficácia das políticas públicas, a eficiência na utilização de recursos e a criação de valor para a sociedade.

Mas para que isso aconteça, não basta aprovar ou rever uma lei. É necessário que esta legislação seja adequada à realidade e que os seus protagonistas nas entidades da AP compreendam o significado de um sistema de gestão do desempenho, assumam o compromisso com o seu desenvolvimento e invistam na criação das condições para a sua aplicação prática. Garantir que as organizações compreendem a sua missão e tenham uma clara atribuição de responsabilidades. Uma liderança capaz de as conduzir para cumprir uma estratégia. Uma cultura orientada para resultados. Uma força de trabalho com as competências necessárias. E processos de trabalho bem definidos.

E tudo parte da compreensão de um elemento básico: o sistema de gestão de desempenho traz a gestão de recursos humanos para o centro do modelo de gestão de qualquer organização. É esse lugar central e estratégico que deve ocupar, não se reduzindo a práticas rotineiras e administrativas de gestão do “cadastro individual” ou das remunerações. Um bom modelo de gestão do desempenho torna claro perante as pessoas quais os objetivos da organização, ajuda-as a compreender o seu papel na equipa e inspira-as para concretizar a respetiva missão, alinhando os objetivos “de negócio” e os objetivos individuais. É, nesta medida, fundamental para atrair e manter na organização os trabalhadores necessários, dando um sentido de propósito ao trabalho, encorajando um clima de confiança, autonomia, colaboração, comunicação e trabalho em equipa.

É por isso que, para além da anualização do ciclo avaliativo, do alargamento das quotas nos serviços com melhor desempenho ou da revisão das menções avaliativas para melhor reconhecimento do mérito, este é o momento para começar a pensar também na adequação do SIADAP ao futuro. Por duas razões fundamentais.

Por um lado, a prática tem demonstrado que alavancar a produtividade e o desenvolvimento de competências através da competição não só não tem grande resultado prático como pode ser pernicioso. Ninguém gosta de avaliar e de ser avaliado e as avaliações geram muitas vezes ressentimento que abala as equipas. Será apenas uma questão de método, de falta de jeito, ou as teorias que consideram filosoficamente questionável a distinção de mérito estão a provar um ponto?

Por outro lado, como nos diz Keith Ferrazzi (Competir no novo mundo do trabalho: como a adaptabilidade radical separa os melhores dos restantes), se durante grande parte do último século, as organizações avaliaram o desempenho dos seus colaboradores de forma regular, para determinarem promoções e salários, na última década, tornou-se mais habitual proceder a feedbacks informais, frequentes e sempre que necessários. Ora, tendo em conta a dificuldade em avaliar o desempenho que já existe no tradicional mundo do trabalho, como será possível criar um sistema de avaliação e desempenho funcional numa força de trabalho formada por pessoas de várias gerações, que trabalham em condições, contextos e estruturas de incentivos diferentes?

Será que o futuro passa por ter um modelo simples e adaptável, não excessivamente prescritivo, para ser ajustável à realidade de cada serviço em cada momento? Se assim for, mais uma vez é fundamental o papel das lideranças. São as equipas dirigentes que, devidamente capacitadas e empenhadas, devem desenvolver o seu modelo de gestão, apropriando-se das regras nucleares de uma framework comum e adaptando-as à realidade concreta da sua organização, com envolvimento das várias partes interessadas incluindo os dirigentes intermédios, os trabalhadores e os utentes dos serviços prestados.

Por todas estas razões, não podemos passar ao lado deste tema. Porque desenvolver um modelo de gestão do desempenho que promova boas práticas, aumente a eficiência, motive as pessoas e melhore os resultados, cria mais uma oportunidade para reconfigurar o futuro da Administração Pública.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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