Opinião

As Causas. A mentira na política

A institucionalização da mentira, da falsa verdade, da estratégia baseada na falta de provas não é defeito de caráter ou, ao menos, não se define por isso. Realmente é sobretudo declinação do velho instinto do “ struggle for life” “ darwiniano”, que permitiu à raça humana sobreviver pela destruição dos concorrentes não hominídeos

Através de temas diversos, vou hoje abordar o problema da mentira e da manipulação na Política.

Longe de mim afirmar que apenas com os Governos de António Costa (ou melhor, pois disso se falará hoje, com o atual de maioria absoluta) se mente e manipula.

Desde que o Mundo é Mundo que isso ocorre. Mas o problema é que se está a levar ao paroxismo essa tendência, criando-se uma situação de gangrena moral que a tudo afeta, mesmo as verdades que sejam reveladas.

Sinal disso é seguramente que António Barreto e Cavaco Silva, improváveis aliados, analisem de modo similar o estado das coisas.

Vou, pois, falar de João Galamba, de João Costa, de um desconhecido Secretário de Estado da Mobilidade e do próprio Primeiro-Ministro.

FARINHA DO MESMO SACO

Tudo foi comentado nos últimos dias sobre o que disseram na Comissão de Inquérito da TAP o já famoso adjunto Frederico Pinheiro, a paradigmática chefe de Gabinete socialista Eugénia Ferreira e o esperto Ministro Galamba.

O que falta dizer é que são todos farinha do mesmo saco ou, como canta Rui Veloso, “muito mais é o que os une/
que aquilo que os separa”.

São todos criadores formatados de narrativas artificiais, quando necessário são hábeis inimigos da verdade e sempre artistas na aplicação do princípio in dubio pro reo que longe dos tribunais não faz qualquer sentido.

Todos são de alguma forma criaturas originadas em Pedro Nuno Santos, todos eles repetem (sem o seu carisma e infantil brutalidade) o que define o proto-delfim de António Costa, a começar pela propensão para trapalhadas e para a criação de caos.

Realmente, não faz qualquer sentido que o leal Pinheiro (só ele tinha o Plano de Reestruturação da TAP, que o Ministro nem achou – tal era a confiança – que devesse sequer folhear) se tenha transformado no monstro que Galamba pintou há dias, alegando um oculto ódio ao que fizera até aí a sua carreira.

Nem faz qualquer sentido que o sucessor que Pedro Nuno exigira a António Costa, se tenha transformado no coveiro mais ou menos subtil do seu mentor (e do caos que ele gerava ou deixava reinar no famoso ministério com nome estalinista) vendo espionagem, conspiração e outros temas de John Le Carré ou Graham Greene, onde tudo é apenas prosaico.

Claro que existe a teoria de que estamos perante psicopatas leves ou esquizofrénicos inimputáveis. Mas isso não faz qualquer sentido. Eles são todos imputáveis.

Do que se trata é apenas de radicais de Esquerda que se renderam ao Poder e, depois disso, só pensam em salvar a pele, e não perder o prato de lentilhas que receberam como se de caviar se tratasse.

A institucionalização da mentira, da falsa verdade, da estratégia baseada na falta de provas não é defeito de caráter ou, ao menos, não se define por isso.

Realmente é sobretudo declinação do velho instinto do “struggle for life” “darwiniano”, que permitiu à raça humana sobreviver pela destruição dos concorrentes não hominídeos.

O Criador desta linha de hominídeos terá sido Sócrates, mas quem os adubou foi António Costa. Como de Adão e Eva disse Jeová (Génesis, 1:26-8), eles foram feitos “à sua imagem e semelhança”, lamento ter de concluir.

A CRIAÇÃO DE COSTA POR COSTA

Alexandre Homem Cristo denunciou há dias no Observador (para quem queira ler, foi no dia 18 de maio e com o título “Fake news Educativas”) a manipulação que o acossado Ministro da Educação João Costa fez dos resultados internacionais do teste PIRLS21 para concluir que os jovens portugueses estão cada mais vencedores na batalha da literacia.

Como se de uma Comissão de Inquérito se tratasse, Costa João respondeu ao mais puro estilo de Galamba, enfrentando Homem Cristo como um exemplar da espécie revelada nos debates, ainda que - honra lhe seja – de modo mais cordato.

O resultado foi uma esfarrapada e trapalhona explicação (será também seguidor de Pedro Nuno Santos?), já desmontada por João Marôco, um professor catedrático do ISPA, no Público de Domingo.

De novo, porquê a manipulação e para quê a trapalhice da explicação? Não por qualquer perturbação mental, como é óbvio.

Do que se trata é, mais uma vez, de instinto de sobrevivência, que perante o acosso dos professores e do Presidente da República tenta mostrar sucesso e servir-se do PIRLS21 como na passada semana o Governo se serviu da luta anti-tabágica.

E, mais uma vez, Costa João revela-se um bom discípulo (o que aqui não é elogio) do seu Criador Costa António. Tenho de o concluir, lamento.

1200 ALEXANDRAS REIS EM TÚNEIS

Sem um pedido de desculpas ou sequer um lamento, o Secretário de Estado da Mobilidade Urbana, Jorge Delgado, anunciou que no Metro de Lisboa uma empreitada de 1,7 mil milhões de euros já tem uma derrapagem de 600 milhões. Que, calmamente, revelou que ainda pode aumentar.

Para dar contexto, digamos que a empreitada já derrapou 40%, o que corresponde a mais de 1200 indemnizações pagas a Alexandra Reis (mas se for o valor depois de IRS serão 2400 indemnizações).

Essa indemnização custou a carreira a ministros e secretários de Estado, quase gerou eleições antecipadas e fez nascer uma zanga (mortal?) entre os ex-cúmplices Marcelo e Costa.

Não se pedia que o escrutínio à derrapagem e as suas consequências fosse mil vezes maior, mas esperava-se ao menos algumas perguntas exigentes ao governante.

Mas o que me interessa hoje é realçar as meias verdades que são manipulações: segundo Delgado, as causas desse descalabro são as revisões de preços, as medidas mitigadoras e os atrasos.

Para ele tudo isto é normal, pois todas as obras públicas têm revisões de preço.

Ou seja, nenhum erro, nenhum lapso, nenhuma culpa.

E para nos sossegar e tirar de cima de nós - os pagadores de impostos – preocupações, sem se rir assegurou que os custos dessas 1200 indemnizações “vão ser cobertos”.

O que se julgava que era privilégio do ministério das Infraestruturas, parece uma epidemia contagiosa no Governo, que assim confirma que é de “garotos”, como afirma António Barreto, ou de quem “passa o dia a mentir”, como refere Cavaco.

O DUCHE GELADO DE MARCELO

Por falar em Cavaco, o seu discurso violento contra o Governo foi percebido pelo atual Presidente da República, e bem, como uma crítica que o atingia. Do que se trata é de o PSD ser ou não uma alternativa ao Governo.

Por razões que só ele sabe, Cavaco resolveu endeusar Montenegro, como arma de arremesso contra o PS, mas também e em todo o caso colocando todo o seu prestígio (em linguagem do Evangelho de S. Lucas, “Tu és o meu filho muito amado, em ti pus toda a minha complacência”) no apoio a uma alternativa do PSD corporizada pelo atual líder.

Por irritação ou desespero, Marcelo foi autorizado pelo atual Presidente a fazer um comentário público, cujo efeito e intenção foi destruir tudo o que o anterior Presidente dissera e, no caminho, aproveitar para um pequeno flip-flop de apoio ao Governo.

Que disse Marcelo? Que este apoio cavacal é a menorização de Montenegro, o afastamento da alternativa Passos Coelho, o sinal de que o PSD não tem força e constitui mais uma prova de que o Presidente tem razão em manter o atual Governo.

Nada de novo, mas tudo muito sintomático, na exata altura em que Marcelo promulgou o diploma legal que opera a transformação do Estado num grossista de arrendamento.

Se isso é estratégia, tática, anticavaquismo ou pura irritação à flor da pele, é cedo para saber.

Mas Montenegro arrisca uma pneumonia com o duche gelado que Marcelo lhe infligiu.

O ELOGIO

Numa aliança rara no individualismo português, o Círculo Eça de Queirós, o Centro Nacional de Cultura e o Grémio Literário relançaram as Conferências do Casino, que há 152 anos Antero de Quental e a depois chamada “Geração de 70” impulsionaram, marcando o seu Tempo.

Começou com Giuliano da Empoli e nos próximos meses vai continuar ao nível com que se iniciaram.

Elogios às prestigiadas instituições e a José Sarmento, Pedro Rebelo de Sousa e aos que com eles – incluindo a Gulbenkian, que recebe a iniciativa – a tornaram possível.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Tenho afirmado que o populismo e a manipulação de factos são perigosos para a Democracia. Aliás dediquei o essencial das “Causas” de hoje a tentar demonstrá-lo.

Por isso sugiro a leitura de dois livros relevantes para esse efeito.

Os Engenheiros do Caos” (Gradiva) é o resultado de uma investigação de Giuliano da Empoli ao universo da manipulação política focada nas “fake news”. Empoli é hoje merecidamente famoso pelo romance “O Mago do Kremlin”, que aqui sugerira no final do ano passado.

O outro, “O Populismo no Século XXI – Democracia sob Ataque?” (AEFDL), é uma obra coletiva coordenada pelo Professor Miguel Prata Roque, com textos seus e de alunos da pós-graduação que, sobre esse tema, ele leva a cabo na Faculdade de Direito da UL.

Os livros completam-se e merecem leitura.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Cavaco comparou-se com Montenegro e – num momento de rara modéstia – perentoriamente disse que o atual líder do PSD está mais preparado para governar do que ele estava em 1985.

Ao mesmo tempo afirmou que – como ele em 1985 – o PSD deve governar sozinho sem quaisquer alianças e esperar por uma dissolução futura para atingir a maioria absoluta.

A pergunta é a seguinte: será que Cavaco não percebeu que a sua vitória há quase 40 anos foi possível por o partido eanista ter dividido o eleitorado socialista, e que foi o PS quem errou ao tentar obter 43% e governar sozinho, ficando-se por 20,7%?

E será que Cavaco esqueceu que em 1979 Sá Carneiro não teria ganho sem a AD?

E, finalmente, não quer perceber que tratar a IL e o CDS como o Chega não faz qualquer sentido?

A LOUCURA MANSA

Às vezes a ingenuidade e a maldade provocam o mesmo resultado. Tentar nesses casos é uma loucura.

Numa entrevista há dias, o famoso adjunto Frederico Pinheiro disse: “Obviamente que o Dr. Pedro Nuno Santos também está ao meu lado, como muitos amigos neste momento difícil”.

Isto ou é uma vingança pela falta de apoio ou é a infantil convicção de que PNS vai arriscar ir contra tudo e contra todos por ser seu amigo.

Mas se for verdade, então a loucura é do ex-ministro, ainda que isso fosse então um admirável e fraterno ato de coragem.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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