Toda a sucessão de casos envolvendo o Ministro João Galamba, os seus telefonemas aos seus colegas do Governo, o seu demitido assessor e as acusações cruzadas entre ambos, a sua chefe de gabinete, as fugas para a casa de banho do Ministério das Infraestruturas a tentar escapar à fúria do assessor, os telefonemas ao SIS, à PSP, ao 112, à Polícia Judiciária, as intervenções do SIS e do respetivo Conselho de Fiscalização, quase perdemos de vista que o que está em causa como pano de fundo e que, com uma cortina de fumo tão espessa, quase não vemos, é a privatização da TAP, a que foi feita com resultados desastrosos e a que o Governo tenciona fazer como se os portugueses não estivessem já escaldados de privatizações que se traduziram em desastres para o interesse nacional e em crimes para o erário público.
Não advogo que os depoimentos que marcaram a última semana da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP devam ser ignorados. As contradições, as ameaças, as agressões, todo o lavar de roupa suja revelado perante o país, que assistiu entre o indignado e o incrédulo a tamanha demonstração de degradação do funcionamento de instituições que se deveriam dar ao respeito, não podem ser ignoradas porque são muito graves em si mesmo.
O meu ponto é que a gravidade destes factos e imputações que exigem cabal esclarecimento e assunção de responsabilidades não nos devem fazer esquecer os graves problemas que nos afetam enquanto sociedade e que não obtém resposta positiva pela forma como o país está a ser governado.
Na mesma semana em que assistimos aos episódios rocambolescos do Ministério das Infraestruturas, os bancos apresentam lucros obscenos enquanto mantém taxas injustificáveis nos serviços que prestam e se locupletam com o aumento dos sacrifícios impostos às famílias por via do aumento dos juros do crédito à habitação.
Em várias cidades do país, profissionais e utentes da saúde manifestaram o seu descontentamento com a falta de investimento no Serviço Nacional de Saúde enquanto o Governo prefere transferir o dinheiro dos contribuintes para financiar a prestação de serviços por privados.
Entretanto, o Expresso noticia que perante as tímidas medidas legislativas aprovadas para limitar a precariedade dos trabalhadores das plataformas digitais, as uber e bolts desta vida já estão a engendrar formas de aldrabar a lei para manter a precariedade, confiando que o Governo e a ACT façam vista grossa.
Não pense o PS que retomando a doutrina Montenegro ensaiada nos tempos de troika de que “o país está melhor apesar de os portugueses estarem pior” e cantando vitória com o sucesso obtido na redução do défice para fazer boa figura em Bruxelas e Berlim, faz com que sejam esquecidos os graves problemas que afetam os trabalhadores que perdem poder de compra e os jovens que são condenados à precariedade e aos baixos salários.
É que por muito rocambolescos que sejam os casos que marcam tristemente a atualidade, todos sabemos que a nossa vida não é isto e a democracia também não é isto. Não pode ser isto.
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