Opinião

Deus é grande, mas o tamanho não importa

19 maio 2023 2:31

joão fazenda

Francisco opõe-se a que a morte seja proporcionada por um profissional de saúde, mas tolera que seja proporcionada por Deus. O problema não é propriamente a lei, mas o legislador

19 maio 2023 2:31

Quando a lei da eutanásia foi aprovada pelo Parlamento português, o Papa disse que estava “muito triste porque, no país onde apareceu a Virgem” tinha sido promulgada “uma lei para matar”. Não é todos os dias que o chefe de Estado de um país estrangeiro critica as leis aprovadas no nosso. Sem querer ser chauvinista, julgo que o argumento de Francisco I é frágil. De facto, em 1917, tendo coisas importantes para comunicar à Humanidade, Nossa Senhora escolheu fazê-lo no concelho de Ourém. Maria tinha à sua disposição o planeta inteiro — e poderia ter aparecido em qualquer lado uma vez que, sendo mãe de quem é, ninguém lhe impediria a entrada. Não deve haver cunha mais poderosa do que essa. Mais especificamente, Nossa Senhora poderia ter aparecido no Vaticano, onde tem inúmeros domicílios — uns mais espaçosos, como a Basílica de São Pedro, outros mais acolhedores, como a Capela Sistina, mas todos deslumbrantes. No entanto, a Virgem optou por uma árvore na Serra de Aire. Essa atitude devia fazer Francisco pensar. Se nos empenhamos a construir os mais sumptuosos aposentos para a nossa mãe e, quando ela vem de visita, troca o nosso tecto pintado por Miguel Ângelo por um céu enevoado da Beira Litoral, parece-me inevitável ponderarmos se tomámos as decisões certas.

Em relação à eutanásia, é importante notar que Francisco não é exactamente contra o acto de proporcionar a morte a alguém. Opõe-se a que seja proporcionada por um profissional de saúde, após pedido expresso do paciente, para alívio do sofrimento causado por uma doença incurável. Mas tolera que a morte seja proporcionada por Deus, normalmente contra a vontade do defunto, e de um modo que pode ser bastante doloroso. É crítico da lei portuguesa, mas não tem objecções a essa lei divina. Creio que o problema de Francisco não é propriamente a lei, mas o legislador.

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.