Opinião

Perderam a vergonha

19 maio 2023 0:59

ilustração hugo pinto

Este tom de arrogância com que hoje os banqueiros se nos dirigem é certamente ainda herdeiro da crença em tempos anunciada por Fernando Ulrich sobre a paciência dos portugueses: “Ai, aguentam, aguentam!” Pois eu não estaria tão certo

19 maio 2023 0:59

Contas feitas, percebe-se que os ganhos resultantes do notável desempenho do PIB não foram parar às mãos dos pensionistas, nem dos trabalhadores do sector privado, nem dos funcionários públicos, todos com aumentos em 2022 aquém da inflação: foram parar às mãos do Estado e da banca. Os banqueiros nacionais cavalgam a onda de euforia com taxas de juro nos empréstimos que são um garrote para famílias e empresas e remuneram a poupança dos clien­tes com taxas a rondar o zero. E com isso festejam o “sucesso” da sua gestão, anunciando lucros extravagantes aos accionistas e atribuindo-se os correspondentes prémios pornográficos de gestão. “É o mercado a funcionar”, diz o presidente da Associação de Bancos, Vítor Bento. Não, não é: é exactamente o contrário, é um pequeno mercado, funcionando em concertação, a deturpar as regras do jogo. E, por isso, quando o banco público anuncia um comportamento mais decente, logo aparece um banqueiro (António Esteves, no último Expresso) a defender que não faz sentido haver um banco público e que a CGD deveria ser privatizada. Parece que já não se lembra que isso foi feito no passado e que, após várias peripécias pouco edificantes, os banqueiros nacionais que não correram a vender os bancos a estrangeiros acabaram a ser resgatados pelo Estado depois de indecorosas falências. Custou-nos para cima de 20 mil milhões de euros, que poderiam ter sido gastos em tantas coisas mais de que o país precisa e cuja gratidão a classe demonstra agora e assim uma vez mais.

Mas, no lugar deles, eu usaria de cautela. Este tom de arrogância com que hoje se nos dirigem é certamente ainda herdeiro da crença em tempos anuncia­da por Fernando Ulrich sobre a paciên­cia dos portugueses: “Ai, aguentam, aguentam!” Pois eu não estaria tão certo. A história por vezes dá cambalhotas imprevistas e nada lhes garante que da próxima vez em que estiverem por baixo e em pânico alguém tenha pena deles.