Fumar mata polémicas
As pessoas acabam com o tabaco para conseguirem voltar à corrida matinal; António Costa acabou com o tabaco para conseguir voltar à corrida eleitoral
Humorista
As pessoas acabam com o tabaco para conseguirem voltar à corrida matinal; António Costa acabou com o tabaco para conseguir voltar à corrida eleitoral
Há duas semanas, Portugal estava a viver uma crise política e a fumar três maços por dia. Agora, esta maioria absoluta, jovem mas já com problemas respiratórios, quis ganhar uma nova vida e anunciou que ia largar o tabaco. Ou melhor, que íamos todos largar o tabaco. Como aqueles amigos que publicitam em demasia a adoção de um estilo de vida mais saudável, o Governo foi radical, exagerado e, sobretudo, chato. Porém, funcionou. A tempestade noticiosa amainou e já não se fala de eleições por causa dos jovens turcos, fala-se das eleições na Turquia. As pessoas acabam com o tabaco para conseguirem voltar à corrida matinal; António Costa acabou com o tabaco para conseguir voltar à corrida eleitoral.
As reações ao anúncio das restrições ao tabaco dividiram-se em duas classes, que aqui podemos representar através das personagens-tipo Higino Higiene e Tomané Chaminé. Higino Higiene acha muito bem, considera que a proibição de fumo em esplanadas cobertas é insuficiente e que o fumo devia estar circunscrito a descampados e ao bar lisboeta SNOB. Para além de sugerir que todos os cinzeiros do país sejam confiscados, Higino defende ainda que os fumadores sejam impedidos de se reproduzir, que lhes seja tatuado o símbolo da Marlboro no peito e que o Estado nacionalize a Tabaqueira para que passe a produzir apenas cigarros de chocolate.
Tomané Chaminé, por outro lado, discorda. Classifica as medidas de “totalitárias”, “autoritárias” e, num excesso poético de mau gosto, “otárias”. Tomané é a favor de que se fume em berçários, tem vindo a defender a obrigatoriedade de aulas de Iniciação ao Tabagismo - que ensinam pré-adolescentes a travar o fumo - e já enviou uma carta à ministra da Habitação a exigir que as casas que não tenham paredes amareladas pelo tabaco sejam arrendadas coercivamente a fumadores compulsivos.
Como não sou fumador, estou à vontade para dizer que considero estas medidas excessivas. Menti, sou sim, mas aparentemente os argumentos contra estas restrições não são credíveis quando vêm de um agarrado. O que é incoerente, porque os cronistas deste país passam a vida a defender os amigos, dos quais são dependentes. Se outros podem fazer advertências do género “António Costa, de quem sou muito amigo” ou “Marcelo Rebelo de Sousa, por quem tenho enorme respeito”, porque é que eu não posso tecer loas ao “cigarrinho, que estimo muito”? É injusto.
Dito isto, não tenho lata para me debruçar sobre os novos locais onde não se pode fumar. Tal reflexão crítica comprovaria que tenho conhecimento dos sítios em que será proibido fumar, o que não me vai dar jeito nenhum daqui a uns meses, quando usar recorrentemente a frase “ah, desculpe, não sabia que aqui não se podia fumar”.
Ainda assim, penso que tenho margem para breves notas sobre a proibição de venda de tabaco em determinados estabelecimentos. Bombas de gasolina, a sério? O Governo olhou para uma bomba de gasolina - repito, uma bomba de gasolina - e declarou “o produto mais poluente que se vende aqui é o Chesterfield Azul”.
Posto isto, mais vale que se venda tabaco apenas em farmácias, com o farmacêutico a esclarecer devidamente o fumador sobre a posologia. “Olhe, este é daqueles que tem de fumar todo até ao fim: um de manhã, outro depois de cada refeição e mais um à noite. Em caso de SOS - por exemplo, se o Benfica estiver empatado com o Santa Clara ao minuto 85 na Luz -, pode fumar dois de seguida”.
E o fim das máquinas de tabaco? Não sei o que terá provocado tamanha amargura, no seio do Governo, com as máquinas de tabaco. Quer dizer, o ministro das Finanças é capaz de ter inveja delas. É que as máquinas de tabaco comem moedas, já Fernando Medina foi comido por Moedas.
O populismo antitabaco tem imenso apoio, mas não há populismo pró-tabaco. Note-se que o Chega, que no passado temia que os portugueses gastassem os subsídios em cigarros, reagiu timidamente às anunciadas proibições. Primeiro, porque terão saudades do regime que exigia uma licença para o uso de isqueiros. Depois, porque, de todos os itens perigosos que estão à venda numa tabacaria, provavelmente preferirão proibir os jornais.
No decorrer da semana, é expectável que regressemos aos maus hábitos. Pela tensão em que estão envoltas, seria sensato que nas audições de João Galamba e do assessor fosse permitido fumar. Os olhos estão postos em Frederico Pinheiro: a República acionará de imediato o SIS, caso ele se lembre de roubar um isqueiro.
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