As decisões recentes do Conselho de Ministros sobre limitações à venda e consumo de tabaco foram orgulhosamente anunciadas, realçando a antecipação ao que pode vir a ser deliberado a nível da União Europeia.
Também por isso parecem uma manobra de spin doctors, para criar um foco de controvérsia pública que desvie atenções de outros temas menos do agrado do Governo e de quem nele manda.
O resultado foi alcançado.
De um dia para o outro, este passou a ser o tema mais relevante numa semana que se antecipa difícil para o Governo no Comissão de Inquérito da TAP.
Não se admirem se novos coelhos forem tirados de cartolas nos próximos tempos.
O TABACO E AS “VIRTUDES ENLOUQUECIDAS”
Seja como for, acho que o tema das medidas sobre o tabaco tem relevância suficiente para ser abordado, mesmo dentro desse contexto manipulador.
Do que se trata é de uma estratégia que pretende acabar com o consumo de tabaco até 2040.
Com esse objetivo vai-se tornar (ainda) mais difícil que os fumadores possam praticar o seu vício, mesmo que sejam adultos e que o façam em condições em que é desproporcional proibir em nome do risco de incomodar terceiros.
Quero declarar que não sou fumador há quase 40 anos e que no interior da minha casa não se fuma. Também por isso não tenho nenhum interesse pessoal (e também não tenho profissional) que possa ser afetado se o tabaco fosse proibido em Portugal ou no Mundo, mesmo que isso ocorresse com efeitos imediatos.
Discordo intelectual e politicamente deste tipo de medidas. Em minha opinião, é um erro afirmar que é uma forma de fascismo e uma enorme estupidez declarar, como li há dias num jornal de referência, que são as políticas liberais capitalistas que estão por trás deste tipo de decisões.
Como é óbvio não é nada disso. Este tipo de medidas insere-se no que são as crescentes tentativas de “normalizar” e dirigir o comportamento humano, à procura de um paradigma bacteriologicamente puro, sem vícios e sem defeitos, impondo ações e omissões que afetam o núcleo essencial da Liberdade.
O Estado tem o direito de concretizar políticas públicas e de aplicar estratégias orientadas para a prevenção de doenças e de comportamentos com consequências na saúde pública.
Mas essa evidência, que é um truísmo ou um exemplo do óbvio ululante de que falava Nelson Rodrigues, não impede que seja essencial aplicar tais regras com coerência e respeitando princípios de razoabilidade, sensatez e proporcionalidade. Como diria Chesterton, há “virtudes enlouquecidas”. E elas fazem pior às pessoas e ao Mundo do que os vícios que visam combater.
A LUTA LIBERTICIDA ATACA DE NOVO
Nesse sentido, a luta radical anti-tabágica, na sua genética e ambições, insere-se numa Cultura que está sempre disposta a sacrificar a Liberdade e a auto-responsabilização que vem e tem de vir com ela, a uma lógica de tutela, de controlo, de “Big Brother” no sentido Orwelliano.
No fundo, somos tratados como crianças irresponsáveis pelos burocratas e tecnocratas que decidem estas coisas em conúbio com cientistas habitados pelas certezas e proselitismo de iluminados.
Isto é em si mesmo muito mau, mas o pior é que - na sua essência - este é um caminho que se auto-reproduz e expande num sentido cada vez mais liberticida, e que acima de tudo não quer admitir um Mundo impuro, imperfeito e problemático, porque feito por pessoas reais na sua diversidade e complexidade.
Por isso considero que a matriz da luta anti-tabágica radical é a mesma do radicalismo da luta anti-covid, o policiamento da linguagem, da profanação de obras literárias para extirpar supostos quistos que supostamente ofendem almas sensíveis e de tanta coisa similar.
E mais fundo e mais longe: era bom que percebessem que na pré-história deste tipo de estratégia está aquilo que nos trouxe a Inquisição, a eugenia nazista e os processos de Estaline e outras pulsões totalitárias.
Através dos tempos, geografias e ideologias é sempre o mesmo: a imposição de um paradigma violento suportado numa perversa teoria de que tudo isso é essencial para o bem dos povos e até para a salvação dos que a Ortodoxia dominante afirma querer proteger, se necessário torturando e matando.
Por isso, a única frase que me lembra é – inspirando-me em John Kennedy – “ich bin ein raucher”, ou seja, solidário com quem o é, quero gritar –mais forte do que se o fosse –que “eu sou um fumador”.
OS HUMORES PRESIDENCIAIS
Um outro tema que me preocupou na passada semana, foi o modo como o Presidente da República promulgou um diploma legal do Governo, sobre a “titularização e os concursos para seleção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário colocação de professores”.
Para além de o noticiar, Belém informou-nos de que, e cito, “apesar de não ter colhido consagração a proposta apresentada, nem outra, mais minimalista, a certa altura aventada no diálogo com a Presidência do Conselho de Ministros, o Presidente da República entende dever promulgar o presente quadro jurídico”, invocando que não o fazer seria um mal maior.
Como é evidente, no processo de promulgação de leis sempre existiu diálogo entre o Palácio de Belém e o de S. Bento, com propostas para melhoria dos diplomas ou até para tentar que não sejam apresentados a promulgação.
Não creio que se saiba se foram muitas ou poucas as ocasiões, se tiveram ou não sucesso e em que medida, e isso é revelador em si mesmo de que se trata de procedimentos discretos, cooperativos e bem-intencionados.
O que se passou agora nada tem a ver com isso. A divulgação pública do que deveria ser discreto, transforma o tradicional processo cooperativo num processo confrontacional, com a instrumentalização do instituto constitucional da promulgação ao combate político, no qual é usado como arma de arremesso.
O regime constitucional não fica em risco de soçobrar com esta anomalia comportamental. Mas esta atitude não valoriza o Presidente.
Sabemos que Marcelo tem humores e descai para reações excessivas com frequência: passou do excesso de proteção e cumplicidade com o Primeiro-Ministro, que não ajudou o País, para um excesso de sentido oposto, que também não o ajuda.
No passado, andou anos a tirar o tapete à oposição. Agora, quer dificultar a vida ao Governo, com idêntica determinação e semelhante exagero.
Esta mudança resultou de uma profunda irritação pessoal por – bem ou mal, eu aliás até acho que mal – António Costa se ter recusado a substituir Galamba, como com insensatez Marcelo mandara dizer (ou não evitou que fosse dito) aos “media” que era a sua vontade, antes da decisão do Primeiro-Ministro.
Além da irritação pessoal (que alguém que o admira me disse ser uma reação de criança mimada), Marcelo foi motivado pela leitura das sondagens, tema a que dá interesse que acho excessivo.
Nada disto tem a ver com poderes presidenciais, com preocupações com o futuro da Pátria, com riscos sistémicos.
E, como é evidente, em nada disto se vislumbra o que se espera de um Homem de Estado. E é pena.
AEROPORTO LEVANTA MAL O VOO
O tema do novo aeroporto de Lisboa – crucial para o nosso futuro – não está em minha opinião a andar bem.
Muito rapidamente, explico os motivos da minha preocupação, que sinceramente desejo que venha a ser destruída pelos factos.
Em primeiro lugar a “Comissão Técnica Independente” (CTI), presidida pela Professora Rosário Partidário, já gastou 7 dos 15 meses que aceitou serem suficientes para propor uma localização do aeroporto de Lisboa ao Governo.
Gastou quase metade do tempo numa tonta proposta para que todos os portugueses propusessem localizações, aumentando o número de hipóteses recolhidas e selecionando 9 soluções para serem estudadas.
Depois anunciou que vai precisar de contratar equipas técnicas especializadas.
Se essa contratação era necessária, então bem podia ter sido iniciado logo em outubro de 2022 o processo de contratação, que é complexo, burocrático e lento. Fazê-lo só agora, quando já estamos a menos de 8 meses do final do prazo, parece incompreensível.
Em terceiro lugar, a Presidente desdobrou-se em entrevistas e a CTI respondeu a críticos, esquecendo que isso longe de ajudar o seu trabalho só o complica por sugerir excesso de reatividade e por dar pasto para ataques à sua independência e imparcialidade.
A sensação que tenho é que se estão a inserir numa cadeia já pré-existente de fuga à responsabilidade de decidir: o Governo chamou o PSD para diluir futuras críticas, ambos com o mesmo objetivo inventaram a CTI, esta descobre que tem de contratar comissões especializadas em quem vai delegar maior ou menor responsabilidade.
Com isto acho quase inevitável que no final de 2023 uma de duas péssimas consequências vai resultar: ou o prazo não será cumprido ou para isso não acontecer a proposta da localização do novo aeroporto vai ser feita à pressa e com menor qualidade.
O ELOGIO
Os Liberais apresentaram (com Cotrim de Figueiredo, o que é politicamente relevante) a sua proposta inicial para o “SUA-Saúde” (nome do que afirmam dever ser um Sistema Universal de Acesso à Saúde).
A proposta ainda não está finalizada, mas é seguramente uma pedrada no charco (ou melhor, no pântano) onde se está a atolar o SNS.
É polémica, e tem o mérito (ou demérito, vá lá saber-se) de abanar o sistema e provavelmente ser criticada pelos fundamentalistas do monopólio estatal e pelos do liberalismo total.
Merece elogio, porque é corajosa, revela uma estratégia de correr o risco de mudanças sistémicas, merece ser debatida com rigor e elevação, pois com isso todos ganhamos.
LER É O MELHOR REMÉDIO
Sugiro dois livros (ambos da D. Quixote) em que o tema da liderança é relevante. Não o faço para que sejam lidos pelo Presidente da República, Primeiro-Ministro e líder de oposição, embora lhes fosse útil.
“Liderança” de Henry Kissinger, que já propusera quando há um ano eu lera a versão original. Kissinger, que daqui a dias faz 100 anos, escreve mais uma obra essencial, onde fala de seis líderes mundiais que conheceu bem e com quem trabalhou (Adenauer, De Gaulle, Nixon, Sadate, Lee Kuan Yew).
“Liberdade como Tradição”, de João Carlos Espada, estuda e explica o pensamento de outro tipo de líderes, no caso 13 intelectuais que marcaram o nosso tempo, que vão de Popper a Churchill, passando por Aron, Hayek, Dahrendorf, Berlin, Strauss e outros que ao longo de décadas e pelas suas obras foram meus mestres.
Leiam, que garanto que vale muitíssimo o tempo que lhes dediquem.
A PERGUNTA SEM RESPOSTA
A DGS decretou orientações em que normalizou o que se vai fazendo: enfermeiros (que hoje em dia têm curso superior e mestrados de especialização) podem realizar partos de baixo-risco e decidir internar grávidas.
A reação da Ordem dos Médicos é uma história mal contada, que não se percebe nas suas causas e que cheira a corporativismo por todos os poros. Um Bastonário que foi eleito apenas como mal menor também não ajuda.
A pergunta não é para que a Ordem explique melhor. Nem sequer para saber se faz sentido recusar e que se vem fazendo (e, sem isso, o que seria das grávidas em Portugal…).
A pergunta é outra: será que o Bastonário não percebe que está a criar stress e tensão em quem chega a um hospital e passou a ouvir dizer que é inadmissível que qualquer parto não seja feito por um médico mesmo que nenhum problema tenha?
A LOUCURA MANSA
O ideólogo de Putin, Alexksandr Dugin, declarou em entrevista ao Expresso que “o liberalismo é absolutamente totalitário. Fascismo e comunismo estão inseridos na lógica do liberalismo”.
A estupidez e a ignorância não paga imposto. Mas devia pagar.
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