Desde tempos imemoriais existe na natureza um conjunto de rochas fragmentadas conhecidas como blocos erráticos. Estas pedras foram transportadas pelos glaciares e depositadas em locais distantes do seu ponto de origem. Metaforicamente são um testemunho esplêndido do poder da natureza e dos processos complexos que moldam a Terra e tudo o que nela reside.
De forma semelhante, o futuro da política está a ser moldado por forças poderosas invisíveis, modificando a paisagem global, e neste processo, alterando a forma como pensamos a política, o poder e o exercício da autoridade. Durante séculos, os seres humanos funcionaram dentro de uma estrutura que se manteve relativamente estável, com sistemas políticos, económicos e hierarquias sociais em grande parte intactas.
Os próprios fundamentos da ordem internacional estão a ser postos em causa, à medida que as visões concorrentes do futuro disputam o domínio e os contornos de uma nova ordem mundial começam a tomar forma. Nesta conjuntura podemos refletir na questão do fim da eternidade, colocada por Isaac Asimov.
De acordo com o filósofo Byung-Chul Han, já há algum tempo que a política tem vindo a sofrer alterações em detrimento do coletivo. Segundo ele, a nossa incapacidade de perceber a política como um esforço coletivo resulta da nossa identidade enraizada como consumidores, em vez de participantes ativos na sociedade. Os políticos veem-nos como meros recetores dos seus discursos e promessas, enquanto o cidadão reage à política com a mesma insatisfação que surge após uma experiência de consumo ou compra que não correspondeu as suas expectativas. Portanto, a sua atitude predominante em relação à política é de frustração e, simultaneamente, de resignação, como uma extensão dos seus hábitos de compra.
Neste processo, não somos capazes de exercer o nosso papel enquanto cidadãos autónomos e críticos, e muito menos de nos organizar de forma que se produzam mudanças sociais profundas, e não meramente cosméticas.
Por outro lado, estamos a viver numa era com lideranças fracas, pouco orientadas para as necessidades reais das pessoas, estando mais preocupadas com a sua imagem e a sua popularidade nas redes sociais, inundadas pelos selfies em jantares ou reuniões políticas, onde até a diplomacia foi contaminada pelo deslumbramento instantâneo e a cultivação da imagem pública.
Esta tendência, argumenta Han, é problemática porque mina o processo democrático ao substituir o debate e a discussão substancial pelo espetáculo e pelo entretenimento. Neste sentido, a política foi esvaziada do seu conteúdo científico e ontológico, sendo vulgarizada com expressões e ideias que na maioria das vezes, não reflete soluções eficazes para os desafios que enfrentamos.
Num mundo em aceleração constante, a ciência política necessita de uma abordagem mais interdisciplinar, focada e holística do estudo dos assuntos políticos, quer locais, regionais ou internacionais. É premente repensar a nossa relação com a política, a democracia e o sistema capitalista selvagem, que devora tudo e todos. No seu novo livro, A Crise do Capitalismo Democrático, o jornalista britânico Martin Wolf argumenta que o atual modelo de capitalismo democrático enfrenta uma crise existencial. O autor destaca, em particular, a crescente concentração da riqueza e do poder nas mãos de uma pequena elite, a erosão da coesão social e da confiança, e o fracasso das instituições políticas em resolver questões como as alterações climáticas, a desigualdade e a ascensão de movimentos populistas.
Em consonância com esta erosão a todos os níveis, Robert Colvile escreve que a natureza da sociedade do século XXI é acelerar. Este processo, em que a polarização entre a rapidez e a lentidão afeta o domínio e perturba, cria “um mundo não de hienas, mas de leões e moscas”. Esta aceleração espelha a nossa insegurança perante um futuro frágil, instável e menos previsível.
Cada vez mais estamos a assistir à ascensão de outras potências globais sem ainda a certeza se iremos experimentar uma divisão definitiva. No entanto, é elucidativo que novos blocos de países e esferas de interesses regionais estão em formação. A multipolaridade é uma realidade cada vez mais presente e a Europa precisa de ter um discurso mais autónomo e estratégico, preocupando-se com as suas populações e desafios domésticos, que requerem mudanças e reformas na estrutura da União Europeia.
É necessário ter um papel mais ativo nas transformações globais e aproveitar a multipolaridade para cimentar novas posições, relações e influências. Por exemplo, a Ásia Central e o Médio Oriente, particularmente os países do Golfo, são regiões em ascensão e que irão desempenhar um papel importante nas relações internacionais.
Todavia, a Europa ainda não se posicionou nem explorou as potenciais esferas de atuação em que pode ter um papel de um ator global. Temos de estar conscientes de que as mudanças estão em curso, e cabe a cada membro europeu questionar qual a sua posição nesta configuração que está a emergir e ao mesmo tempo, como a Europa pode ser mais ativa e estratégica na sua diplomacia.
Na sua obra o Fim da Eternidade, Asimov examina a natureza do tempo e a sua relação com a ação humana, sendo pertinente para a política contemporânea. O autor sugere que o tempo é uma construção maleável sujeita à intervenção humana, realçando a importância da vontade dos cidadãos na definição do curso da História.
A ideia do fim da eternidade representa a impermanência de todas as coisas, incluindo os sistemas políticos e as instituições que moldaram o nosso mundo durante gerações. É uma perspetiva assustadora, uma vez que assinala o potencial colapso das estruturas estabelecidas e a emergência de algo novo e não experimentado.
Resta saber se estaremos à altura deste desafio, mas uma coisa é certa: o futuro da política será moldado por este momento, e as escolhas que fizermos nos próximos anos determinarão o curso da história da humanidade para as gerações vindouras.
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