Opinião

Continuarei a luta com os professores

Os educadores e os professores que lecionam até ao 12º ano, a partir das duas décadas de trabalho são farrapos vivos, são seres humanos movidos a ansiolíticos, são pessoas que já não conseguem ter mais vida para além do tempo em que aturam ruído, desatenção, mau comportamento, insolência

1. Li, com muita cautela, a nota do Presidente da República sobre o decreto de vinculação de professores que foi ontem promulgado. Nessa nota, que todos deveriam olhar, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa assinala que fez chegar ao Governo uma proposta alternativa e, depois, insinua quais são os pontos em que se deveria ter ido mais longe.

Quanto ao facto de ter dado nota pública de que tinha transformado os serviços da Presidência num governo alternativo, só poderemos dizer que se trata da mais absurda das prestações, nela se afirma uma visão pueril da relação com o Governo na sequência dos últimos acontecimentos conhecidos.

Nem nos piores tempos de Eanes e Balsemão ou de Soares e Cavaco se encontrará um tal desabuso, uma forma tão absurda de relacionamento entre dois órgãos de soberania.

O Presidente não joga na feitura das leis. Esse trabalho está limitado à Assembleia da República e ao Governo, cada um com as suas competências. A Marcelo cumpre fazer sugestões através de um relacionamento cuidado com o primeiro-ministro ou através de comunicações ao Parlamento.

O caminho da infantilização da vida política ao mais alto nível deve ser acompanhado de uma total rejeição pelos portugueses. Não se pode aceitar uma leitura da Constituição da República Portuguesa gelatinosa, submetendo o dever à diversão ou, pior ainda, ao amuo.

Depois do caso que levou o Presidente a sovar na praça pública, de forma inaceitável e impiedosa, um membro do Governo, esperamos todos que Marcelo Rebelo de Sousa se não transforme na erva daninha da nossa democracia. Se pensar seguir esse caminho nada mais nos resta do que reivindicar a frase de Aníbal Cavaco Silva “Temos de ajudar o senhor Presidente a acabar o mandato com dignidade”.

2. A publicação do decreto que vai permitir a vinculação de cerca de uma dezena de milhar de professores é uma boa notícia. Mas não chega!

Os professores, até ao secundário, são, em todo o mundo, uma profissão única. Se os pais sabem o que é criar um filho, as dificuldades que o tempo de hoje lhes trás, a alienação em que as crianças e jovens vivem, não deixarão de concordar que ter 20 ganapos, durante 50 minutos e dentro de uma sala, se tornou uma das tarefas mais duras que hoje se podem exercer.

Quando o Governo diz que não pode negociar com os professores a recuperação do tempo de serviço, porque a aceitação de tal circunstância comportaria, em si, uma injustiça para todos os restantes corpos das Administrações Públicas, o que está a fazer é demonstrar o desconhecimento da vida da escola atual, o facto de terem deixado de existir regimes especiais de trabalho e de aposentação que, em tempo passado, eram aplicados a esta relevante classe profissional.

Ora, os professores que lecionam até ao 12º ano, a partir das duas décadas de trabalho são farrapos vivos, são seres humanos movidos a ansiolíticos, são pessoas que já não conseguem ter mais vida para além do tempo em que aturam ruído, desatenção, mau comportamento, insolência.

A acrescentar a tudo isto, a exigência que é colocada hoje aos docentes, numa perspetiva de deixarem de seguir uma matéria pré determinada para responderem a todas as questões que o Google fornece a pais e a alunos, leva a uma nova realidade que poucos, no macrocéfalo Ministério da Educação, conseguem entender.

Os professores deveriam ter um regime especial de aposentação; deveriam ter uma redução progressiva de carga docente; deveriam poder progredir mais facilmente até dois terços dos escalões; deveriam poder ter quadros correspondentes às Regiões; deveriam ser só docentes e não burocratas de coisas desnecessárias, deveriam ter condições físicas, tecnológicas e humanas para poderem desempenhar a sua função de forma holística.

Ora, ao ser determinada a regra do igual para todos os que recebem o seu salário do Orçamento do Estado, o que estamos a fazer é dizer que tanto vale um professor como outra qualquer carreira, que tanto vale a educação de uma criança como uma licença de mercado.

O Governo não se pode colocar em situação de não ter saída. Tem de ter saída. E a melhor saída é mesmo explicar aos portugueses que educadores de infância e professores, do ensino público e do sector privado ou cooperativo, são a classe que faz um melhor país, são as pessoas que estão a trabalhar para os nossos filhos 35/40 horas por semana e fazendo-os gente grande.

Pelo estado da arte, só o primeiro-ministro pode decidir sobre a saída deste enclausuramento. As suas orientações são mais urgentes do que nunca.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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