Opinião

A equidade, e não a igualdade, assegurará que as mulheres não serão deixadas para trás na transformação digital

A equidade, e não a igualdade, assegurará que as mulheres não serão deixadas para trás na transformação digital

Claire Thomas

Diretora de Diversidade e Inclusão da Hitachi Vantara

Os desequilíbrios no acesso à transformação digital e os novo desafios na igualdade de género estão no centro desta reflexão sustentada nas contas recentes da Nações Unidas

Hoje em dia, dados das Nações Unidas indicam que 37% das mulheres não utilizam a Internet. Ainda que o sexo feminino corresponda a cerca de metade da população mundial, temos 259 milhões de mulheres a menos com acesso à Internet. Estas estatísticas tornam-se mais alarmantes quando nos lembramos que muitas facetas fundamentais da nossa vida quotidiana dependem do acesso à mesma e de um grau de literacia digital: a marcação de consultas médicas, o recurso à banca online, ou até o ensino à distância. Assim, não podemos falar de desigualdade de género sem também reconhecermos este desnível digital. De facto, a ONU Mulheres fez mesmo da inovação e da tecnologia para a igualdade de género um foco para o Dia Internacional da Mulher deste ano. No entanto, a questão é muito mais complexa do que simplesmente assumir que, ao assegurar que todos tenham acesso às mesmas ferramentas digitais, conseguiremos alcançar a paridade de género. Essa é apenas a ponta do iceberg.

Temos também de considerar as pessoas por detrás do desenvolvimento das novas tecnologias. Desde a minha primeira entrada na indústria tecnológica há cerca de 15 anos, o equilíbrio entre homens e mulheres no terreno melhorou certamente. Contudo, há ainda muito mais a fazer. De acordo com a PWC, apenas 5% dos cargos de liderança no setor tecnológico são ocupados por mulheres; e apenas 3% das mulheres atualmente dizem que uma carreira na tecnologia é a sua primeira escolha.

Estamos a viver uma das décadas mais entusiasmantes em termos de inovação. A inteligência artificial (IA) está prestes a revolucionar os nossos locais de trabalho. O mundo torna-se cada vez mais pequeno à medida que nos ligamos uns aos outros, instantaneamente, a partir de lados opostos do globo. Em breve, poderemos habitar novos mundos virtuais onde nos podemos encontrar com amigos, ir às compras, ou mesmo assistir a concertos, através de avatares digitais. A tecnologia tem o incrível potencial de contribuir para a sociedade e construir um futuro melhor, um planeta mais resiliente, para as gerações vindouras. No entanto, se mais mulheres não estiverem desde já envolvidas no desenvolvimento e aperfeiçoamento destas tecnologias, arriscamo-nos a acentuar a sua exclusão. Uma análise global de 133 sistemas de IA, levada a cabo pela ONU Mulheres, revelou que já cerca de 44% demonstram preconceitos de género; assim, para que a tecnologia esteja à altura do seu potencial, deve ser feita para todos, disponível para todos, e inclusiva para todos.

O discurso em torno da desigualdade de género tem mudado nos últimos anos o enfoque da igualdade para a equidade, reconhecendo que temos de dar às pessoas o que precisam para serem bem-sucedidas, em vez de tratar todos da mesma maneira. Isto significa não ignorar diferenças individuais - tais como raça, capacidade, género e orientação sexual -, mas antes reconhecê-las e equipar as pessoas com os mecanismos, ferramentas e níveis de apoio de que necessitam para, independentemente disso, sobressaírem. Como é que isso se traduz na prática?

Sabemos, também segundo a ONU Mulheres, que as mulheres fazem 2,5 vezes mais trabalho não remunerado do que os homens; isso inclui desde cuidados infantis a cuidados com membros da família idosos ou doentes crónicos, até ao trabalho doméstico, como a limpeza. A realidade é que os desafios com que as mulheres têm frequentemente que enfrentar - e as barreiras que as detêm - são muitas vezes diferentes dos seus homólogos masculinos. Assim, quando consideramos formas de colmatar a lacuna de género, a conversa deve ir além de simplesmente dar às mulheres as mesmas ferramentas ou oportunidades que aos homens. Isto corresponde apenas a metade da equação.

Temos de considerar como podemos ajudar a aliviar algumas dessas barreiras para as mulheres. Integrar a igualdade no local de trabalho a par e passo com políticas como o trabalho flexível, apoio à saúde mental, e apoio adicional aos pais e cuidadores, é apenas o primeiro passo. Voltemos a esse estatuto que referi anteriormente - que apenas 3% das mulheres considerariam uma carreira na tecnologia como a sua primeira escolha. Não se trata apenas de equipar as mulheres com as mesmas oportunidades que os homens, trata-se de inspirar e chamá-las para carreiras na indústria tecnológica, para começar; e depois assegurar que, uma vez aqui presentes, estes espaços sejam seguros e acolhedores para que possam prosperar nos percursos de carreira que escolheram.

Eu sei o que é ser a única mulher na sala. Embora tenha trabalhado com alguns homens maravilhosos e inspiradores ao longo da minha carreira, pode ser assustador encontrarmo-nos em minoria. Essa é uma das razões pelas quais sou tão profundamente apaixonada pela operacionalização da equidade no cargo que desempenho.

Penso que algo que a diversidade e as iniciativas de inclusão podem por vezes ignorar é o valor do aliado, e garantir que este é também alimentado no local de trabalho. Os homens não devem ser excluídos das conversas sobre igualdade de género – pelo contrário, devemos convidá-los, educando-os e encorajando-os a aparecerem para as suas colegas do sexo feminino. É preciso encorajar os trabalhadores masculinos a tornarem-se apaixonados pela mudança, bem como a sensibilizá-los para os preconceitos inconscientes, e para a forma como os podem abordar na sua vida quotidiana.

Da mesma forma, não podemos simplesmente olhar para a igualdade de género de forma isolada - é uma questão interseccional. Para maximizar verdadeiramente o impacto, não devemos ter uma abordagem de "mulheres em primeiro lugar". Em vez disso, é importante conceber esforços que abordem as nuances da igualdade de género, considerando como as questões de raça, capacidade, e orientação sexual também entram em jogo.

Por fim, as iniciativas não devem tomar lugar apenas por uma questão de ótica - devem conduzir a uma verdadeira mudança. É claro que não podemos reduzir as experiências vividas das pessoas a números numa folha de cálculo. Mas há valor em olhar para os números. Os dados são, talvez, a melhor forma de medir o impacto. É vital recolher e analisar dados sobre a diversidade da força de trabalho, para que as organizações possam pintar um quadro preciso dos seus empregados e das suas experiências vividas, e quão eficazes são realmente as suas iniciativas de diversidade e inclusão. Será que a força de trabalho reflete a comunidade local ou as pessoas que serve? Quem está, e não está, a ser promovido? Como podemos utilizar estes conhecimentos para impulsionar a mudança? Todas estas são questões que as organizações devem colocar quando interpretam os seus dados.

Ao aventurarmo-nos nesta nova e entusiasmante era digital, temos de assegurar que ninguém fica para trás. Ao impulsionarmos novas inovações, perdoem-me a redundância, enfrentaremos também alguns dos maiores desafios já encontrados enquanto sociedade. E, embora a tecnologia possa ajudar a resolvê-los e a construir um futuro melhor para as gerações futuras, devemos assegurar que as vozes das mulheres são igualmente ouvidas neste processo.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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