O golpe foi de mestre. António Costa virou o jogo. Encostou o Presidente à parede. Deixou o PR sem margem: ou vai para eleições ou morre! Ouvimos e lemos tudo isto nas últimas horas e, eu próprio, alinhei na primeira hora nessa análise de reação rápida. E alinhei porque, de facto, a jogada do primeiro-ministro foi não só surpreendente, ninguém estava à espera – e a política também é feita destes dramatismos imprevisíveis -, como teve o efeito de virar todo discurso e ameaças de Marcelo sobre a dissolução contra o próprio Presidente: como quem diz ‘quer eleições, então vamos a isso!’. O derrotado da noite foi por isso evidente: o Presidente já não consegue demitir um ministro.
Ao fazer isto António Costa não só recuperou a mão, ganhou iniciativa – e pô-la a render logo de manhã numa visita ao terreno –, como atirou para cima de Belém a ameaça do Chega. Usando aliás a lógica do próprio Presidente que andou semanas a dizer que não havia uma alternativa à direita sem o partido de André Ventura e que a soma aritmética não significava a mesma soma política. Que era insuficiente, portanto. Costa pegou nesse medo, demasiadamente exposto, e fez dele ricochete contra a presidência.
Costa perdeu o mais importante “aliado político” e o PSD ganha margem em Belém e até já ensaia coligações ao almoço com a Iniciativa liberal
Mas a “vitória” de Costa pode ser de curto prazo. E o caminho assumido de alto risco. Alguém, que não importa identificar, disse um dia sobre Marcelo que “não construía nada, mas que tinha uma enorme capacidade de destruição”. Costa sabe-o melhor do que ninguém. Se as relações Belém-São Bento já andavam ensombradas, Marcelo estará a partir de agora mais livre e ainda mais atento às esquinas da governação. Aliás se há certeza que resulta da noite de ontem é que haverá eleições antecipadas, só não sabemos quando. No calendário de Marcelo a contagem dos dias, que já começara, ganhou intensidade.
Sou dos que acham que o bloco central de palácios sempre funcionou porque era útil para ambos. Costa e Marcelo debaixo do mesmo guarda-chuva era o ‘ticket’ perfeito. Aliás, essa coligação criava sérios problemas ao PSD que sempre considerou, e muitas vezes com razão, que Marcelo era a mão que embalava o Governo e o PS. Mas depois da noite de ontem tudo se alterou. Marcelo já não será mais o mesmo. Costa perdeu o mais importante “aliado político” – a expressão foi usada pelo ex-secretário de estado Hugo Mendes no polémico email com a CEO da TAP para alterar um voo da TAP. E o PSD ganha margem em Belém e até já ensaia coligações ao almoço com a Iniciativa liberal.
Costa, o mestre da tática, acertou na vitória de curto prazo, mas no longo prazo – se houver longo prazo – será preciso muito mais
Na intervenção de ontem à noite, Costa diz, em jeito de desabafo, que espera “ter acertado”, uma dúvida que faz sentido quando pensamos no que ainda tem pela frente. Um governo desgastado e frágil que não será fácil remodelar. Uma situação social muito difícil. Um PRR que não descola. Um Estado cujos serviços não respondem na medida dos impostos que cobra. Uma inflação e uma guerra ainda sem fim à vista.
Costa, o mestre da tática, acertou na vitória de curto prazo, mas no longo prazo – se houver longo prazo – será preciso muito mais. Só que agora segue sem aliado em Belém, agarrado a Galamba, a este Governo e à comissão de inquérito da TAP que ainda tem tanto para revelar. Marcelo fica mais solto. Já não se sentirá obrigado a embalar um governo que todos os dias tropeça nas suas próprias trapalhadas.
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