Opinião

Gozar com quem paga ou o Governo sorna

Gozar com quem paga ou o Governo sorna

Duarte Marques

Ex-deputado do PSD

A realidade já ultrapassou claramente a ficção e programas como Gozar Com Quem Trabalha ou Governo Sombra ficam claramente aquém da criatividade do governo de António Costa. Se os portugueses hoje quiserem ver séries cómicas hesitam entre os telejornais, a ARTV e a CPI da TAP, e não entre a oferta de comédia dos canais generalistas

Quando todos consideramos que pior era impossível, eis que após as festividades do 25 de Abril assistimos a um conjunto de episódios que envergonham ainda mais a República que as palermices, ou criancices, com que alguns Deputados do Chega quiseram boicotar a cerimónia com Lula da Silva. Convém sublinhar que ao incorrecto comportamento dos Deputados do Chega, algo que já aconteceu em ocasiões anteriores tanto com o Bloco de Esquerda como com o PCP, somou-se a reação oportunista e controladora do proto candidato a Presidente da República Augusto Santos Silva (ASS).

Após aquela reprimenda preparada, premeditada, mas não menos justa do Presidente da Assembleia ao Chega, seguiu-se o embaraçoso momento pidesco de busca ao tipo que filmou as três figuras do regime a trocar cromos sobre “a malha” que Santos Silva deu no Ventura. Ora, essas imagens passaram durante dois dias em todas as televisões sem que ninguém se queixasse da violação de privacidade, aliás até daria jeito à campanha presidencial mostrar o lado simpático e divertido de ASS (que eu confirmo que tem). Só quando um jornal on-line decidiu pôr legendas na parte final dessa “conversa de café” que de certa forma embaraçaram o Presidente da AR é que este, tal como os seus apoiantes, se indignaram com a "violação de uma conversa privada”. O mesmo operador de câmara, o mesmo cenário e a mesma transmissão só foram legais e legítimas enquanto transmitiam a parte que dava jeito. Este episódio fez-me lembrar a reprodução de uma conversa entre Vitor Gaspar e o Ministro das Finanças alemão sobre o cumprimento do programa da troika e que nessa altura, os mesmo protagonistas de hoje a consideraram de “interesse público”.

Infelizmente os tiques autoritários não são de direita nem de esquerda e este episódio trouxe à tona um comportamento perigoso de quem detem o poder. O inquérito que ASS ordenou para saber quem autorizou as filmagens só pode ter como conclusão que foi a assinatura do próprio Presidente da Assembleia da República, já que essas filmagens são repetidas e autorizadas há anos, como qualquer televisão pode confirmar.

Mas a semana não terminaria sem mais um, ou um conjunto, de episódios insólitos do Governo e em particular no Ministério das Infraestruturas. Aqui ainda vamos tentar perceber quem tramou quem. Se quem diz a verdade é João Galamba ou o seu assessor do Bloco de Esquerda. Seja qual for a conclusão tudo isto é um embaraço, não só para os protagonistas mas sobretudo para a República. Agressões, roubos de computador, bicicletas atiradas contra a montra do Ministério, polícia secreta a recuperar um computador e ainda muita tinta por correr e esclarecer.

Sinceramente não gostaria de estar na pele dos guionistas de Ricardo Araújo Pereira no programa Gozar com Quem trabalha, ou dos comentadores do Governo sombra (o tal programa que estão impedidos de dizer o nome). Com tanto material para escolher, muitas pérolas vão ter de ficar pelo caminho pois a realidade ultrapassou claramente a ficção. À boa maneira daquelas séries que nunca mais conhecemos o fim, com retrocessos rocambolescos que às vezes criam a sensação de estar a adiar só para vermos mais episódios, esse Governo parece mais uma sucessão cómica para não dizer uma tragédia grega, pois quando pensamos que o pior já passou encontram mais um esqueleto dentro do armário para revelar.

Ao cair da noite António Costa considerou o caso “inadmissível” e prometeu uma conversa com o seu Ministro para hoje. Mas ao contrário do que disse o Primeiro-Ministro, este não é um problema isolado, é sim um evento tantas vezes repetido que já se tornou na essência do seu Governo.

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