Opinião

As Causas. 'Bananalândia', uma telenovela mexicana

O País, os putativos sucessores de António Costa, as oposições, todos estão agarrados aos ecrãs à espera dos próximos episódios, que serão seguramente cada vez mais absurdos, mais escabrosos e por isso mais viciantes. O problema é que isto não é uma telenovela a retratar um país imaginário, mas se trata do Governo de Portugal

A telenovela mexicana em que se transformou o que em tempos se chamava “Governo de Portugal” muda regularmente de protagonista.

O problema é que a mudança de protagonista não é mais do que a manutenção do enredo, em que tanta continuidade já nos cansa.

Em resumo, este é o enredo:

  1. Na “Bananolândia” o Poder Político está ocupado por um grupo de ex-esquerdistas ambiciosos;
  2. Eles foram perdendo ou deitando pela borda fora quaisquer convicções que tivessem;
  3. Apenas pretendem sobreviver nas pequenas e médias sinecuras a que chegaram por redes clientelares, amizades e disponibilidade de servir chefes com dedicação rastejante, mas
  4. Para isso, quando necessário vão-se acusando, matando quem complique, mentindo ou faltando à verdade, usando e abusando do Poder de que usufruem.

Na telenovela avultam atores secundários que devem ser avatares de Miguel Alves, Carla Alves, Hugo Mendes ou Frederico Pinheiro, os quais roubam o palco a “vedetas”, as quais são avatares de Maria do Céu Antunes, Pedro Nuno Santos ou João Galamba.

É claro que Galamba, Pedro Nuno Santos ou Maria do Céu Antunes, não merecem o estrelato de ser Ministros, até porque os secundários não são mais do que clones deles.

Esta novela vai acabar mal. Mas se o problema fossem apenas os que chegaram a papéis principais e se revelaram aos olhos de todos como afinal eram, seria mais fácil evitar o final infeliz e salvar a telenovela.

OS RASTIGNAC DO SÉCULO XXI

Como escreve hoje Manuel de Carvalho no “Público”, “estamos em boa parte entregues a gente incompetente, mal preparada, voluntarista, com muita ambição e nenhuma sensatez ou sabedoria”.

Do que se trata é da tomada do Poder por um bando de “Rastignacs” do Século XXI, que como o personagem original de Balzac são ambiciosos, dispostos a tudo fazer para acelerar as suas carreiras, arrivistas que se necessário mordem a mão de quem os puxou para fora do pântano da mediania.

A sensação que nos invade é que sempre que os acasos da vida política fazem levantar uma pedra, o que surge é uma sucessão de cópias cada vez de menor qualidade de um modelo inicial, em que as carreiras são em regra mais ou menos isto:

  1. estudou no ISCTE, sociologia e coisas semelhantes,
  2. filiou-se na Juventude Socialista,
  3. fez pós-graduações, mestrados, até doutoramentos,
  4. fez carreira de autarca desde a assembleia de freguesia a presidente ou a deputado,
  5. em breve se tornou, adjunto, assessor, chefe de gabinete, depois secretário de Estado e até ministro, mas
  6. nunca achou que valesse a pena tentar ganhar a vida a trabalhar fora dessa atmosfera protegida.

Perante estes (maus) exemplos, não se pode levar a mal que muitos portugueses achem que há muitas mais pedras a levantar e que debaixo de todas elas sairá mais um clone do mesmo modelo.

O MINISTÉRIO DA IRRESPONSABILIDADE LENDÁRIA

Os episódios mais recentes têm como protagonista João Galamba e um antigo homem de confiança de Pedro Nuno Santos, chamado Frederico Pinheiro, que Galamba herdou, tudo num ministério em que “a irresponsabilidade se tornou lendária” (Manuel Carvalho dixit).

Os factos, vingando-se de terem sido torcidos, surgem à primeira zanga de comadres.

Por exemplo,

  1. escondeu-se que Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes sabiam tudo sobre a saída de Alexandra Reis do CA da TAP, e para dar verosimilhança à encenação e evitar erros perigosos, o Ministro convenceu o seu rival Medina a pedirem que a TAP esclarecesse o que se passara e Hugo Mendes foi despachado para ajudar a preparar a resposta que convinha;
  2. escondeu-se que a ex-CEO da TAP fora treinada por deputados socialistas e membros do gabinete do Ministro Galamba para que na Comissão de Economia sobre Alexandra Reis desse as respostas que o Governo queria;
  3. escondeu-se que fora Galamba quem sugeriu à CEO que pedisse para ter essa reunião.

Para esconder cada um dos factos foi preciso começar por ocultar a verdade, depois disfarçar e a seguir mentir.

Perante o risco de caírem dos pedestais a que se guindaram, aconteceu sempre o óbvio: cada um tenta lixar um outro para se salvar, o mais poderoso prevalece, o menos poderoso vinga-se e a cascata de mentiras, ameaças e subida da tensão aos extremos intensifica-se.

Veja-se a esse título, o recente exemplo da instrumentalização do SIS e da PJ. Frederico Pinheiro ou foi sacrificado como bode expiatório (é o que parece a quem assiste à telenovela…) ou era um ingrato patife (o encenador sugere comportamentos que o demonstrariam).

Seja como for, por desilusão e instinto de sobrevivência ou por vingança, raiva, e maldade escatológica, Pinheiro deu a entender que se tornaria num “kamikaze” e iria à Comissão de Inquérito da TAP com um cinturão com granadas para fazer explodir os seus ex-amigos ou cúmplices.

O CLIMAX DA TELENOVELA

Perante isso, Pinheiro foi demitido sumariamente e foi-lhe cortado o acesso a telemóvel, emails e documentos, como se faz a um patife ou a um bode expiatório.

Revoltado ou assustado (estas telenovelas não são simples para o comum dos mortais…) foi à noite buscar o seu computador ao Ministério das Infraestruturas.

Consoante a versão, era para preparar melhor as granadas ou para de defender do “fogo ex-amigo”.

Nesse processo, dizem os “galambistas”, agrediu colegas, surripiou o computador, tentou rebentar com uma bicicleta uma porta de vidro para sair do Ministério e pôs a boca no trombone para que os “media” soubessem.

Mas Pinheiro diz que foi sequestrado.

E, digo eu, deve ter-se sentido como um peru na véspera do Natal.

O GOVERNO EM PÂNICO OU REVOLTA

Seja como for, o pânico ou a revolta dos zeladores dos segredos de Estado – consoante a versão - instalou-se no Governo.

Então alguém ordenou ao SIS e à PJ que fossem buscar o computador que teria sido roubado ou furtado (vá lá saber-se…) e onde estariam guardadas armas nucleares…

Galamba apressou-se a revelar, em nome da transparência ou como uma espécie de seguro de vida para si (vá lá saber-se…), que isso foi feito por sugestão, com a conivência ou por ordem da Ministra da Justiça e do Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro e -sussurram alguns mais atrevidos – o SIS não poderia meter-se na telenovela sem ordens de António Costa.

MARCELO: PORTUGAL NÃO PODE SER UMA TELENOVELA!

Este é o enredo da telenovela até ao momento.

O País, os putativos sucessores de António Costa, as oposições, todos estão agarrados aos ecrãs à espera dos próximos episódios, que serão seguramente cada vez mais absurdos, mais escabrosos e por isso mais viciantes.

O problema é que isto não é uma telenovela a retratar um país imaginário, mas se trata do Governo de Portugal.

Não nego que muitos ministros não merecem fazer parte deste enredo, mas enquanto ele se mantiver e não se ponham fora, não sei como protegê-los, pois é admissível a dúvida sobre se nos outros ministérios não se passa o mesmo.

Entre muita coisa insuportável a nível da função executiva de um Estado membro da União Europeia, a maior gravidade institucional é a instrumentalização do SIS e este se ter deixado instrumentalizar, aceitando uma missão no que não é mais de um episódio numa luta darwiniana pela sobrevivência de políticos socialistas.

Por certo que este novo facto será coberto com teorias jurídicas, novas mentiras ou eufemísticas “inverdades”.

Tudo isto tornou mais do que óbvia a necessidade de demitir sumariamente João Galamba, apenas se não percebendo porque demorou mais do que umas horas a ser concretizada.

Só que o problema é que com o tema SIS, a telenovela mexicana inevitavelmente chegou ao coração do Governo.

Não queria estar na pele do Presidente da República: a única solução institucionalmente correta que ele tem é demitir o Governo através da dissolução da Assembleia da República. Mas não seria sensato.

A alternativa é usar todo o prestígio que ainda lhe resta, deixar de agir como Tio Patinhas, fazer uma declaração solene ao País, demitindo o Primeiro-ministro (depois de o encostar à parede) para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, a menos que ele tome a iniciativa de apresentar a demissão.

Depois deve nomear de novo António Costa, com quem tenha chegado a acordo quanto a uma profunda remodelação, e informar o País que se o Governo proposto não lhe der garantias de que aquilo a que chamo telenovela mexicana acabou dissolverá a Assembleia da República. Como se escreve no site da Presidência da República. Isso “corresponde, essencialmente, a uma solução para uma crise ou um impasse governativo e parlamentar”.

Claro que António Costa pode tomar a iniciativa de fazer uma enorme remodelação, criar o cargo de Vice-Primeiro-Ministro e acabar com a brincadeira de ter os putativos sucessores todos à sua volta.

Marcelo preferiria esta solução, como é óbvio. Será a opção pelo mal menor.

O ELOGIO

Na passada 6ª feira, o Ministro das Finanças anunciou que (i) a economia cresceu 1,6% no primeiro trimestre, em comparação com o último trimestre de 2022, ficando no topo do pódio da Zona Euro, (ii) a inflação terá em abril baixado de 7,4% para 5,7% e (iii) continua a melhoria da confiança dos consumidores e do sentimento económico.

Merecem elogios todos os que estão a contribuir para isto: as empresas e os que nelas trabalham, os turistas que nos visitam e quem no Governo ajudou ou ao menos não estragou este filme.

LER É O MELHOR REMÉDIO

No meio da nossa telenovela mexicana, vi numa livraria o livro “Crónicas – 1974-2001” de Nuno Brederode Santos (Imprensa Nacional). É a publicação de mais de 25 anos dos seus magníficos textos no Expresso, que quando surgiu no início da pandemia me terá passado despercebida.

Muito gostaria de poder partilhar as conversas que tive com ele, em ocasionais almoços ou ao fim da tarde, registar o que lhe devemos pela forma como aconselhou o seu amigo de sempre, Jorge Sampaio, realçar a beleza da sua escrita.

Mas o que me veio à cabeça quando no sábado vi o livro numa livraria no Porto foi uma frase: “o que o Nuno diria se pudesse agora comentar o que nos está a acontecer” ...

Leiam que vão perceber …

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Vozes do Governo e do PS passam o tempo a criticar o recurso a advogados competentes pelo Estado para tratar de assuntos legais.

A telenovela mexicana revela que não se queixam do recurso a adjuntos e assessores incompetentes.

A pergunta é óbvia: não seria uma boa ideia proibir a contratação de assessores e adjuntos que vêm de fora e usar nos gabinetes quem trabalha nos ministérios?

A LOUCURA MANSA

Na passada semana falei aqui da atuação do Chega (que foi parecida à do BE no passado, mas estes últimos parece que, entretanto, cresceram…) e da reação excessiva de Augusto Santos Silva na sessão solene com Lula.

Na sequência desse momento de indignação que parecia incontrolada, a AR TV (canal de televisão da Assembleia da República) divulgou uma conversa das três principais figuras do Estado em que Santos Silva (que se afirmava “gélido” num autoelogio) estava banhado em êxtase e alegria pela proeza o que confirma o que eu achara óbvio: a indignação foi um momento teatral.

Apanhado em falso, fez o que os ministros do “Ministério da Irresponsabilidade Lendária” fazem aos assessores, atirou-se com agressividade assassina aos pobres jornalistas que trabalham na ARTV. Não fez a coisa por menos: “flagrante violação de direitos e liberdades mais fundamentais das personalidades que foram vítimas dessa operação”.

Agora soube-se que todos os anos se grava e transmite este tipo de imagens, que estava autorizada a gravação, e que assim Augusto Santos Silva, “o Gélido”, fez mais uma cena de indignação criando neste caso bodes expiatórios para a leviandade a que a euforia o conduziu.

A loucura não é a leviandade do que disse a ser gravado (quem nunca errou que atire a primeira pedra), mas a criação injusta de bodes expiatórios.

Ou, se calhar, isto já não é loucura antes uma lei da nomenclatura do PS…

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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