Opinião

Falsas equiparações

Falsas equiparações

António Filipe

Membro do Comité Central do PCP e professor universitário

Quando alguém do PSD equipara o PCP à extrema-direita devia lembrar-se que houve comunistas que morreram para que o PSD pudesse existir

Sempre que confrontados com a questão da sua relação com o Chega caso precisassem do apoio desse partido para formar Governo, os atuais dirigentes do PSD refugiam-se numa pretensa ambiguidade que tem o mérito de deixar claro que se essa possibilidade existisse, isto é, se o PSD ficasse em posição de formar Governo caso tivesse o apoio o Chega, o PSD nem sequer hesitaria e tentaria negociar esse apoio, se não à custa de lugares no Governo, pelo menos à custa de medidas que agradassem à agenda da extrema-direita.

Na verdade, quando os dirigentes do PSD afirmam que não querem nada com partidos populistas, racistas e xenófobos, mas depois se recusam a dizer quais são os partidos em cujas cabeças assentam tais carapuças, não podiam ser mais claros. Em caso de necessidade, depressa concluiriam que isso de haver em Portugal partidos populistas, racistas e xenófobos não passaria de uma invenção da extrema-esquerda. Entretanto, para o caso desta conclusão ser acusada de não passar de um processo de intenções sem fundamento, está aí o Governo Regional dos Açores a demonstrar que o PSD não tem qualquer escrúpulo em governar com o apoio de um partido populista, racista e xenófobo e ninguém viu até à data qualquer demarcação da direção nacional do PSD quanto a tal aliança governativa.

Sucede entretanto que numa entrevista recente, o atual líder parlamentar do PSD procurou sacudir o incómodo de uma eventual aliança governativa do seu partido com a extrema-direita, acusando o PS de ter governado com o apoio da extrema-esquerda, querendo referir-se com essa qualificação, obviamente, ao PCP e ao BE e fazendo assim uma equiparação por simetria: à extrema-direita representada pelo Chega e porventura pela Iniciativa Liberal, equiparar-se-ia no extremo oposto do espectro político a extrema-esquerda representada pelo PCP e o BE, e sendo todos eles inimigos da democracia, o PSD teria desculpa se tivesse de se apoiar na extrema-direita para impedir uma governação supostamente de extrema-esquerda.

Acontece que este raciocínio é um insulto à democracia e a quem sempre lutou por ela.

Equiparar o PCP, que lutou durante 48 anos contra o fascismo sob a mais tenebrosa repressão, enfrentando prisões, torturas e assassinatos para que o povo português pudesse viver em liberdade, a um partido racista e xenófobo que afronta no dia-a-dia os mais elementares princípios democráticos e que não esconde os seus objetivos de destruição do regime democrático, é uma infâmia política.

Equiparar os saudosistas da ditadura fascista aos que lutaram contra ela, é o mesmo que equiparar os censores aos censurados, os torturadores aos torturados, ou os antifascistas assassinados aos pides que os assassinaram.

Para reconhecer o papel relevante dos comunistas não apenas na luta pela liberdade, mas também na construção do regime democrático-constitucional em que vivemos e que se consolidou com a aprovação da Constituição de 1976 não é preciso ser comunista. Basta ser politicamente honesto.

Desde 1976 que o PCP tem assumido um papel de inquestionável relevância enquanto partido da oposição a diversos Governos que o nosso país tem conhecido, tendo sempre o PS ou o PSD com partidos dominantes, e sempre desenvolveu a sua ação de oposição aos Governos dentro do estrito quadro da legalidade democrática, dentro das instituições democráticas, e contribuindo lealmente para o seu regular funcionamento, e fora delas, sempre no exercício estrito dos direitos fundamentais conquistados pelo povo português.

No quadro do funcionamento do regime democrático, o PCP tem assumido um papel reconhecido e prestigiado, designadamente no plano do poder local e no seu relacionamento com todas as instituições democráticas, e se algum dos partidos políticos atualmente existentes se pode queixar de ter sofrido ataques antidemocráticos, esse partido é o PCP, que foi vítima de centenas de ataques terroristas, entre 1975 e 1976, por parte da rede bombista de extrema-direita que atentou contra a nossa, então jovem, democracia.

Esta falsa equiparação entre a extrema-direita e uma suposta “extrema-esquerda”, vinda do PSD, converge com uma linha de normalização da extrema-direita e de radicalização do discurso político que visa a conquista do poder por parte das forças políticas mais reacionárias e que conta com o apoio de grande parte da comunicação social dominante que não só normaliza discursos e atitudes racistas e de ódio à democracia como promove desproporcionadamente os seus protagonistas. Este, porém, será tema para outro artigo.

Até lá, viva o Primeiro de Maio e a luta dos trabalhadores.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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