Podem escolher outro, porém, do meu ponto de vista, o grande momento do 25 de Abril, ontem no Parlamento, foi o olhar que Augusto Santos Silva dirigiu à bancada do Chega, enquanto pronunciava “Chega de insultos, chega de envergonhar o nome de Portugal”. Digo-o sem qualquer reserva – o olhar e a frase eram totalmente merecidos e adequados. O partido de Ventura, que prometera uma enorme contestação devido à presença de Lula, só conseguiu ser mal educado no hemiciclo de São Bento.
Não havia necessidade, claro que não. Mas o mal estava feito. Marcelo convidara Lula para estar e falar na sessão do 25 de Abril, na Assembleia da República; o ministro dos Negócios Estrangeiro, Gomes Cravinho, anunciou o convite; mas ninguém falou previamente com Santos Silva, segunda figura do Estado e presidente do Parlamento. Assim sendo, arranjou-se a solução mal enjorcada que todos viram: duas cerimónias seguidas no mesmo dia.
Não se entende porquê, a IL deixou um só deputado na sessão que recebia Lula (é normal receber presidentes de países muito próximos, e até não tão próximos, na sede da nossa democracia) e o Chega decidiu fazer uma grande manifestação de rua, que esteve a quilómetros de ser grande, e um protesto com pateadas e murros na bancada, dentro do hemiciclo, além de cartazes a insultar o convidado. Tudo mau.
Sem ligar demasiado ao caso, ouviram-se dois discursos – o de Santos Silva e o do presidente do Brasil. O primeiro foi um excelente discurso na forma, e não destoou no conteúdo. Como competia a um Presidente da AR, que já fora ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, este não deixou de abordar a guerra na Ucrânia e a forma de acabar com ela: está nas mãos da Rússia a retirada e o cumprimentos dos acordos internacionais, além do respeito pelas entidades que os regulam, disse em resumo, corrigindo a equivalência que Lula fizera entre agressores e agredidos, embora entendendo que o Brasil e outros países são vítimas de uma arquitetura política internacional que já não faz sentido.
Neste sentido preciso – e defendendo igualmente a entrada do Brasil (ou diplomaticamente de países de todas as áreas do mundo) no Conselho de Segurança da ONU – falou, igualmente o presidente Brasileiro. Condenando a invasão da Rússia, não retirou palavra do que tinha dito na China sobre a importância da paz e da intermediação internacional, mas não pôs em pé de igualdade russos e ucranianos, nem responsabilizou pela guerra europeus e americanos. De salientar, porém, que as palavras de Lula da Silva foram envolvidas no açúcar da amizade por Portugal e no chocolate da ligação à Europa e da adesão do País à União Europeia, que considerou património da Humanidade.
Cá fora, nos Passos Perdidos, e depois de ouvir o agradecimento de Santos Silva por ter sido tão paciente a aturar o Chega, Lula teve oportunidade de, com certa elegância, chamar ridículos aos deputados da extrema-direita, vaticinando que se arrependeriam da figura que fizeram, quando à noite se deitassem na cama.
Assim, foi muito barulho para nada. Nem se verificou qualquer necessidade de Lula ser recebido no Dia da Liberdade, nem nada de grave ou extraordinário aconteceu por assim ter sido. Muito embora os 49 anos da revolução dos cravos ficasse marcada por manifestações de quem, no fundo, se opõe a essa data, o que terá sido a primeira vez em quase meio século, ficou provado, como Marcelo diria no seu discurso (já na cerimónia da revolução, sem Lula) que o 25 de Abril é de todos, cada qual com a sua interpretação sobre o que daquela madrugada/manhã deveria sair.
Foi por isso, também, escusado o braço de ferro que o próprio Presidente promoveu ao querer Lula no dia 25; como foi escusada a discussão que se seguiu, ou a ausência da IL e a fantochada do Chega.
Para o futuro, e na minha modesta opinião, fica um nome, neste 25 de Abril: Augusto Santos Silva, aquele que além de um bom discurso, mostrou que matava os partidários de Ventura só com o olhar. E que, embora esse olhar e essa reprimenda fosse 99,9% para o Chega, um átimo dela atingiu o Presidente da República e o ministro dos Negócios Estrangeiros. Ainda que, por outro lado, tenham feito com que o seu nome subisse uns pontos numa hipotética, e não sei se desejada, futura corrida a Belém.
PS – Com o devido perdão de todos os brasileiros, em particular dos seus dirigentes políticos, deixo uma palavra de homenagem à banda da GNR e de todas as forças que intervêm nesta visita. Tocar no mesmo dia duas ou três vezes o Hino do Brasil, que é dos mais compridos e maçadores, deveria dar direito a prémio.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes