Para um povo sufocado por mais de 40 anos de ditadura, a Liberdade afigurou-se como a principal conquista do 25 de Abril.
Mas Liberdade não pode ser um conceito vazio, uma mera proclamação destituída de substância.
A Liberdade que permitiu aos portugueses escolherem a Democracia como regime político não se pode esgotar nos actos eleitorais.
É preciso Liberdade a sério. Aquela Liberdade que Sérgio Godinho tão bem descreveu no álbum “À queima roupa”, de 1974: “só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação; Só há liberdade a sério quando houver Liberdade de mudar e decidir; Quando pertencer ao povo o que o povo produzir.”
Ora, essa Liberdade a sério está muito, muito longe de ser alcançada pelo povo português.
E por culpa própria, diga-se. “Resignado perante a corrupção e a injustiça, ajoelhado pela carga dos impostos e ignorante das grandes questões, o Zé Povinho olha para um lado e para o outro e fica como sempre... na mesma.” Como a caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro, assim têm sido os portugueses.
Atente-se na passividade com que é encarada, sobretudo, a disparidade entre a remuneração do trabalho e do capital em Portugal.
Com crises económicas sucessivas, as remunerações dos presidentes executivos das grandes empresas nacionais – com a distribuição alimentar à cabeça – cresceram, nos últimos 10 anos, ao passo que os ordenados médios dos trabalhadores diminuíram, de acordo com reportagem recente do EXPRESSO. Veja-se o exemplo do Pingo Doce, empresa com enormes lucros especulativos, que, de forma obscena, atribui ao seu líder uma remuneração dezenas de vezes superior ao ordenado médio dos trabalhadores daquele grupo de supermercados.
Noutra vertente, o povo resigna-se perante a especulação imobiliária que impede o cumprimento do direito à habitação consagrado na Constituição. Tudo acata, sem sombra de espírito revolucionário.
E assim, na passagem de mais um aniversário da Revolução dos Cravos, importa, acima de tudo, sublinhar que as portas que Abril abriu têm de servir para o povo, balizado no espírito democrático e progressista, procurar um caminho de necessária ruptura que conduza a maior justiça social e garanta a Liberdade a sério que tarda em ser alcançada.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes