O problema chinês dos europeus
A China é uma potência económica crescente que quer alterar a ordem internacional e o lugar que aí ocupa. Não é uma democracia e prefere aliados que também não sejam. É isso que mais desafia o interesse europeu
Consultor em Assuntos Europeus
A China é uma potência económica crescente que quer alterar a ordem internacional e o lugar que aí ocupa. Não é uma democracia e prefere aliados que também não sejam. É isso que mais desafia o interesse europeu
Pode-se olhar de três maneiras para a relação entre os ocidentais e a China. Ou se acredita que o conflito é inevitável e mais vale acelerá-lo; ou se entende que a China tem uma ambição internacional que desafia os interesses da União Europeia tanto, ou quase, como desafia os dos Estados Unidos, e isso impõe um afastamento e uma redefinição estratégica; ou se pensa que não há conflito nem tem de haver, apenas há competição económica, sobretudo entre chineses e americanos, e isso não nos obriga a escolher um dos lados. O problema do que disse Emmanuel Macron no regresso de Pequim é que parece acreditar na última opção. Como se quisesse tentar uma terceira via em que a Europa está tão distante de uns como dos outros e compete tanto com uns como com os outros.
Em primeiro lugar, o que Macron não percebeu, ou se percebeu não disse: o problema que a China representa não é meramente económico. Em segundo, o que podia ter explicado: que os EUA não são sempre inteiramente de confiança, como se viu com Trump, em geral, e com Biden no Afeganistão, o que obriga a Europa a ter uma estratégia própria, mas não os torna iguais à China. E, finalmente, o que Macron podia e devia ter dito: alguma coisa que não mostrasse uma Europa (ou uma França) que parece mais preocupada em distanciar-se de Washington do que de Pequim.
Duas lições que se retiraram com a pandemia foi que a natureza do regime chinês era um problema para os ocidentais (e não apenas para os chineses), e que o nível de integração económica com Pequim dava uma vantagem à China que era um risco estratégico tanto para os Estados Unidos como para a Europa. A guerra da Ucrânia reforçou essas preocupações. A natureza do regime chinês contribui para a sua preferência por regimes não democráticos, o que reforça a sua opção por Moscovo, e a dependência energética da Rússia fez a Europa ver que uma grande integração económica, em vez de garantir a paz pelo comércio, pode impedir-nos de reagir a ameaças à nossa segurança e à ordem internacional que defendemos.
Um dos principais problemas deste processo é que há grande integração económica entre os dois lados (China e economias ocidentais). O outro, é o reposicionamento internacional da China em curso.
Pequim quer, assumidamente, alterar a ordem internacional e o lugar que aí ocupa. E, para isso, Pequim tem, e precisa de ter, aliados desalinhados com os valores europeus e ocidentais (países que não sejam economias de mercado e regimes pouco ou nada democráticos). É primeiro aqui, antes mesmo da concorrência económica ou tecnológica, que a questão se coloca.
A China não é uma democracia que está a competir e se está a transformar em potência económica. A China é uma potência económica crescente e não é, não quer ser, e apoia-se em quem não seja, uma democracia. O que significa que a China prefere e apoia regimes não democráticos. Não é pontualmente, como acontece com o Ocidente, que tem a sua dose significativa de aliados sem credenciais democráticas. É por norma.
Perante estas duas circunstâncias: maior peso internacional da China e desafio à ordem internacional de que o Ocidente tem beneficiado, Ursula von der Leyen, nas suas intervenções em Bruxelas, uns dias antes de partir para Pequim a acompanhar Macron e esta semana em Estrasburgo, propôs que se fosse mais exigente com Pequim e menos dependente da China no que seja fundamental (não deixar de comerciar). O Presidente francês, pelo contrário, parece, ou pareceu, acreditar que ser possível definir a ameaça como um potencial problema entre a China e os Estados Unidos, em que a Europa não se quereria meter. Ou que quereria conseguir evitar, mantendo-se quase equidistante. Acontece que isso não é possível. Macron sabe-o, e devia mostrar sabê-lo.
Se a China será, irremediavelmente, uma potência alternativa e se não é possível, nem sequer desejável ou desejado, deixar completamente de comerciar com a China, a alternativa passa por redefinir a relação. Menos dependente no que possa colocar em causa a autonomia estratégica europeia (aqui, sim, faz sentido usar o termo, incluindo por causa da competição por matérias primas de países terceiros fundamentais para a transição energética) e, em contrapartida, mais exigente quando a China decide ocupar outro lugar na política internacional. A menos que se acredite que as ambições da China são inconsequentes para a ordem internacional, a democracia e a paz, ou que se acredite que as democracias dos Estados Unidos e da Europa não são melhores que o regime autoritário chinês. Há quem pense assim. Já no tempo da União soviética havia.
Pode ser que seja – e é – demasiado tarde para parar a China. Mas não tem de ser tarde de mais para a condicionar. Pelo menos enquanto a globalização não tiver acabado e Pequim também quiser participar da economia global. Foi este o problema de Macron. Não disse nada disto claramente, e pareceu dizer o contrário.
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