Nem o Grande Mestre Marcelo – que planeia as jogadas de xadrez até ao infinito – pode esquecer que um País não é um tabuleiro aos quadradinhos e que, pelo contrário, a dinâmica política e sobretudo num processo que se dirige a eleições é sempre muito volátil e imprevisível
Estive fora numa semana em que aconteceram coisas muito importantes para o nosso futuro próximo.
De um momento para o outro – a vida tem destas coisas – o espectro noturno (ou a aurora de um renascimento, consoante quem observe) da dissolução da Assembleia da República instalou-se na nossa psicologia coletiva.
Continuo a pensar que “é só fumaça” (expressão que imortalizou o Almirante Pinheiro de Azevedo, no PREC), mas não posso garantir que seja falsa a teoria oposta de que “não há fumo sem fogo”.
As perceções em Política são muitas vezes mais reais do que a própria realidade, que condicionam e alteram.
Seja como for, de um momento para o outro os “players” principais parecem estar a adaptar-se. É o caso de líder do PSD e do próprio Presidente da República. E será provavelmente o caso do Primeiro-Ministro, como se pode ver por ter colocado “toda a carne no assador” ao anunciar ontem um “bodo aos pobres” (e aos remediados…) para 2024, no “Programa de Estabilidade 2023-2027”.
Mesmo sem isso, as eleições europeias daqui a um ano seriam muito importantes. A questão agora é saber se a realidade terá respeitinho e aguardará para mudar o guião em que o Presidente parece estar a basear-se e afinal a desejar.
MONTENEGRO E O CHEGA
Luis Montenegro deu uma entrevista a Maria João Avillez (a que não assisti por estar no Brasil) que me parece ter sido objetivamente decidida por três motivos:
Para responder de vez a Marcelo, antes de uma reunião entre ambos anunciada para esta semana;
Para se adaptar à aceleração de uma possível dissolução e eleições legislativas antecipadas;
Por ter concluído que era melhor ser mais claro em relação ao CHEGA.
Por isso, para mim, o essencial da entrevista resume-se nesta citação: “Quero garantir uma coisa aos portugueses: não vamos ter no Governo nem políticas nem políticos racistas, nem xenófobos, nem oportunistas, nem populistas. Ou apoio político, se quiser”.
Politicamente trata-se de uma declaração clara e que – em opinião que exprimi há meses – considero a mais adequada para o PSD.
E isto é assim sobretudo porque André Ventura, como disse Fernando Pessoa da “brisa matinal”, “como tem tempo, não tem pressa”. Ou seja, nunca o CHEGA se iria aliar ao PSD nas próximas eleições.
E, de facto, recentes declarações de Ventura confirmam que ele só mudará para a moderação – se mudar - quando lhe convier e seguramente que não será nos próximos 2 ou 3 anos, pois bem ou mal quer crescer sem mudar a estratégia que lhe tem servido.
O que isto significa é que a partir de agora a estratégia do PSD é inequívoca: conseguir em aliança com IL e CDS ter mais um deputado do que toda a esquerda.
Para isso, como há várias semanas referi, convirá que também se juntem alguns independentes de centro-esquerda, como fez Sá Carneiro em 1979 com os Reformadores de António Barreto, Medeiros Ferreira e Francisco Sousa Tavares.
É isso e tem de ser isso. Se não for assim, é melhor esperar sentado quem ache que o PS dará aval a governo do PSD e seus aliados; e se for assim, nunca o CHEGA se juntará à Esquerda para chumbar o programa de Governo que sem esse apoio nunca seria rejeitável.
Admito, em todo o caso, que o PSD e aliados possam governar mesmo com menos (alguns) deputados do que a Esquerda, se o CHEGA achar que lhe é mais prejudicial abster-se e viabilizar uma nova “geringonça” de Esquerda e se o Presidente chamar primeiro Montenegro para formar Governo, como em identidade de situação fez Cavaco em 2015.
MARCELO E A (NÃO) DISSOLUÇÃO
Quanto ao Presidente da República, acredito que “panicou” com o que se passou nas audições da Comissão de Inquérito da TAP.
E também intuiu os efeitos sobre o Governo e o PS, ao ficarem atados ao grelhador em lume brando, pelo menos até serem ouvidos o famoso Pedro Nuno Santos e o seu Secretário de Estado, agora não menos famoso, Hugo Mendes.
Depois do trimestre “horribilis” de António Costa, o fino analista que é Marcelo pode estar convencido que se estará num “turning point” semelhante (à nossa pequena escala) ao que Paul Hazard escreveu na sua “Crise da Consciência Europeia”: “os franceses pensavam como Bossuet e passaram a pensar como Voltaire: essa foi a Revolução”, afinal a que antecedeu por décadas a que colocamos em 1789.
Realmente, nada parece estar a passar-se como tinha sido delineado pelo Grande Mestre de xadrez que nos preside, no tabuleiro em que nos vai tentando manipular a todos.
Marcelo queria e ainda quer que António Costa nos governe até 2026. Não por ter passado a ser socialista, mas por achar que é o que melhor lhe serve.
Por isso se desdobra em ameaças veladas para assustar o PS e o levar a evitar cometer mais erros e em afirmações claras de que o PSD não é ainda alternativa.
Por isso também achou que agora tinha de ser ainda mais claro: não dissolve a Assembleia de República se achar que o PSD sem apoio do CHEGA não pode formar Governo.
Com todo o respeito, esta nova exigência é tonta. Ou melhor, só é admissível num génio da análise política se assumirmos que isso é apenas mais um sinal forte de que Marcelo tudo fará para não dissolver.
Realmente, nem o Grande Mestre Marcelo – que planeia as jogadas de xadrez até ao infinito – pode esquecer que um País não é um tabuleiro aos quadradinhos e que, pelo contrário, a dinâmica política e sobretudo num processo que se dirige a eleições é sempre muito volátil e imprevisível.
Marcelo se não sabia, aprendeu isso há um ano: nem ele tinha previsto no seu xadrez a maioria absoluta do PS.
Ou seja, mesmo que tudo venha a permitir antecipar no jogo de xadrez presidencial que o PSD pode chegar lá sem o CHEGA não é seguro que consiga.
E, também, mesmo que nada permita admitir que vai precisar do CHEGA, isso não significa que no final a vitória exija depender do CHEGA.
Marcelo não é tonto. Por isso a sua clara afirmação é para ler assim: Farei tudo, mas mesmo tudo, para não dissolver.
Nem que seja exigir que Montenegro deixe crescer bigode, vá a pé a Fátima e dê 5 voltas de joelhos à Capelinha das Aparições.
VIVINHO DA COSTA EM CAMPANHA
Mas António Costa (ainda) está vivo e não é de menosprezar. Como é óbvio, não é verdade que esteja em depressão profunda a preparar o seu suicídio ou até a eutanásia política.
E não acredito, por isso, que esteja muito contentinho à espera que o Presidente dissolva a Assembleia daqui a uns meses para lhe permitir ir de imediato para Bruxelas, Vale de Lobos ou até para Pasárgada… e ficar com o ónus (que sondagem recente revela) de assistir à destruição política de qualquer um dos seus putativos sucessores às mãos de Montenegro.
No fundo: ele tem uma maioria absoluta, sabe que o Presidente é medroso e tem vento pela popa em aspetos essenciais.
Vejamos isto do vento. Em especial:
A agitação social acaba por cansar;
A inflação vai começar a cair;
Estamos em pleno emprego;
Há dinheiro a rodos do PRR;
Pode sempre fazer uma remodelação a sério,
Se as sondagens melhorarem para o PS, aumenta em Belém o medo de dissolver.
E, sobretudo, o Programa de Estabilidade para 2023-2027 ontem anunciado não ilude:
Dá aos pensionistas os que lhes tirara;
Vai baixar o IRS;
Tudo o que o Estado arrecadar a mais é para distribuição pelos eleitores.
Ou seja, como disse uma vez Oscar Wilde, “as notícias da minha morte são manifestamente exageradas”. E Oscar Wilde era um dandy e Costa é um profissional.
A TEORIA DO DROMEDÁRIO
Lula a discursar no 25 de Abril nasceu de uma precipitação entusiasmada do nosso Presidente da República. A famosa foto (quando se dirigia a Xanana Gusmão), exprime como se entusiasma, uma das razões porque gostamos de Marcelo e pagamos os naturais preços do nosso amor…
Reações várias levaram o Presidente da Assembleia da República a fazer um compromisso (como um dromedário, que é um compromisso entre um camelo e um cavalo…) e por isso o Presidente do Brasil discursa uma hora e meia antes da cerimónia oficial da data, mas não nela.
Que o Presidente do Brasil - seja ele qual for – discurse na Assembleia da República faz todo o sentido. Ele representa o país irmão, centro geopolítico da lusofonia e foi eleito democraticamente.
Que tenha sido convidado – ainda que informalmente, mas criando um facto consumado – para o fazer no dia da Liberdade tinha tudo para gerar um enorme disparate…e está a ser até pior do que imaginaria quem não acompanhe a realidade brasileira.
Lula voltou ao Poder ressabiado e está a deixar vir à superfície algo do seu radicalismo juvenil, muito anti-EUA. Nada disso é motivo de espanto: os grandes pintores (como Picasso) reinventam-se na velhice, voltando à inspiração inicial.
Com os políticos é muito frequente algo semelhante, muitas vezes apenas por perderem os mecanismos de autocontrole com que se protegeram ao longo de décadas.
O que Lula disse na China e sobretudo a seguir no Dubai (sob o visível olhar preocupado dos conselheiros que estavam perto) é politicamente inaceitável para um democrata e sobretudo - na véspera de discursar no dia da Liberdade - vai exigir inevitáveis críticas do nosso Presidente e do Governo.
Afirmar no Dubai que a guerra foi provocada por "decisões tomadas por dois países", Rússia e Ucrânia, e que “a Europa e os EUA continuam a contribuir para a continuação da guerra. Portanto, têm de se sentar à volta da mesa e dizer: basta”, é uma nada diplomática bofetada no nosso rosto.
É afinal palavra por palavra a tese do PCP, um apoio total à estratégia de Putin e de Xi Jinping e, nesse sentido, um gesto de animosidade que se dispensava e, repito, seria menos grave se o discurso dele entre nós não fosse no dia da Liberdade.
Por isso, nem um otimista irritante não vai conseguir afirmar que “vai tudo acabar bem” … exceto, claro, se o seu nome for André Ventura.
O ELOGIO
Em 7 de março criei uma “loucura mansa com efeito suspensivo” para a não cooptação pelos juízes do Tribunal Constitucional de 3 colegas.
Avisei que só haveria loucura mansa se até 13 de maio não escolhessem os 3 novos colegas e se Nossa Senhora de Fátima não fizesse um milagre em caso de necessidade.
Não foi preciso incomodar a Mãe de Cristo. Os 10 juízes agiram. Repor a normalidade – sobretudo no estado em que estão as instituições, como se pode ver no caso TAP – é motivo de elogio muito forte.
Realmente as coisas são o que são…
LER É O MELHOR REMÉDIO
O livro de Miranda Sarmento, “Crónicas de um País Estagnado” (Aletheia) reúne textos publicados desde 2016 e, segundo o autor, “essa tem sido a realidade que nas últimas duas décadas temos vivido… uma economia com baixa competitividade e produtividade, com graves desequilíbrios nas Finanças Públicas, ao nível da despesa pública e da dívida pública, bem como uma elevada carga fiscal".
O livro não podia ser mais oportuno:
Em 13 de abril, o INE revelou que em 2022Portugal teve a mais elevada carga fiscal de sempre, 36,4% do Produto Interno Bruto (PIB);
No dia seguinte o site “+Democracia” revelava que Portugal é o 6º país da União Europeia que exige maior esforço fiscal aos cidadãos (três vezes mais do que a Irlanda, o que menos exige);
O mesmo site revelava que Portugal teve em 2022 o maior défice de sempre da balança comercial;
Portugal é o 3º país da EU com maior dívida pública (a seguir à Grécia e à Itália);
Segundo o “Expresso”, “os dados históricos até 2020 e as projeções do FMI a partir de 2021 sinalizam um crescimento médio anual da economia portuguesa de 1,1% entre 1999 e 2026”, ou seja, apenas 1,1% por ano, somos o pior da EU depois da Grécia e Itália e o 13º pior do Mundo.
Miranda Sarmento é um “monge-soldado”, um brilhante e rigoroso académico que veio para a trincheira do combate político.
Leiam, para concordar ou discordar, mas seguramente para ficarem melhor informados.
A PERGUNTA SEM RESPOSTA
A “Sábado” revelou há um ano que, de 17 ministros, 14 nunca trabalharam no setor privado. E, com exceção do Ministro da Economia, os outros eram Ana Abrunhosa (1 ano na E&Y) e Pedro Nuno Santos (na empresa do Pai).
Agora melhorou um pouco: Manuel Pizarro foi alguns anos Diretor Clínico de um Hospital privado e João Galamba episodicamente também esteve em empresas. Ou seja apenas 4 em 18 viram um pouquinho do Mundo fora do Estado.
No entanto, usando qualquer indicador relevante, e apesar dos esforços, o Estado ainda não é tudo.
Por isso a pergunta: que tal defender a paridade entre origem pública e privada para os Ministros?
A LOUCURA MANSA
Escangalhei-me a rir com a imagem infra.
A explicação é que a “Comissão Técnica Independente”, que vai propor a localização do aeroporto de Lisboa abriu um site para que qualquer cidadão possa propor uma localização adicional que – em nome da democracia e da transparência, e digo eu, do disparate será também estudada.
Admito que seja um momento de humor, mas temo que não seja.
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