Opinião

A direita não é alternativa

A direita não é alternativa

António Filipe

Membro do Comité Central do PCP e professor universitário

O problema do país perante a maioria absoluta do PS, não é a direita não ter alternativa, pela simples razão de que a direita não é alternativa

Em vez de debater os reais problemas com que o país se confronta e com que as pessoas realmente se preocupam, as causas e as responsabilidades pela situação a que o país chegou e já agora, as soluções concretas para enfrentar os problemas, grande parte da opinião política publicada entreteve-se com o psicodrama da dissolução.

Pode o Presidente da República dissolver a Assembleia da República havendo uma maioria absoluta que apoia o Governo e tendo havido eleições há pouco mais de um ano? E podendo, deve fazê-lo? E vai fazê-lo ou não? E o que acontece ou deixa de acontecer se o fizer e se o não fizer?

Estamos assim perante algo de semelhante ao que se passa com a TAP. Discute-se o diz-que-disse das trapalhadas mais recentes, cuja gravidade é indesmentível, mas perde-se de vista toda uma política que vem de há muitos anos visando a liquidação da TAP enquanto valor estratégico para o país.

Perante o psicodrama da dissolução que entusiasmou tantos comentadores políticos, o próprio Presidente da República não esqueceu a veia de comentador, que aliás nunca abandonou, e decidiu, ele próprio, tecer comentários sobre o assunto.

A esse respeito, o Presidente da República (PR) teceu algumas afirmações que são óbvias e outras que o não são.

A começar pelo óbvio, afirmou o PR que tem poderes de dissolução de que não abdica. É claro que tem. Passado que foi o primeiro semestre da legislatura, não tendo chegado ainda o último semestre do seu mandato, e não estando o país em estado de sítio ou de emergência, o PR tem poderes de dissolução e os órgãos de soberania não podem abdicar dos poderes que a Constituição lhes confere, mesmo tendo a liberdade, como é o caso, de as exercer ou não.

A segunda consideração óbvia é que a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições antecipadas não deve ser feita de ânimo leve e porque há quem o reivindique, mas por haver razões ponderosas que a determinem e o único caso em que, na nossa história democrática, um PR dissolveu o Parlamento havendo um governo em funções suportado por uma maioria absoluta ocorreu em circunstâncias muito diversas. Com efeito, o primeiro-ministro Durão Barroso apresentou a demissão e o PR, Jorge Sampaio, após um longo período de hesitação, aceitou dar posse a um governo liderado por Santana Lopes sem que tenha havido eleições, o qual, após um semestre repleto de casos e trapalhadas, se revelou insustentável e levou o PR a decidir o que deveria ter decidido antes.

Contudo, a afirmação do PR de que uma das razões para não convocar eleições antecipadas é não haver uma alternativa, entenda-se, uma “alternativa” de direita, não só não é óbvia como, a meu ver, está claramente a mais. Podemos retirar daqui a conclusão de que se o PSD estivesse em condições de vencer eleições legislativas e de não ficar refém da extrema-direita para formar Governo, o PR tomaria a decisão de dissolver a Assembleia da República? Podemos retirar daqui a conclusão de que a maior preocupação do PR não são as condições em que o país é governado, mas a criação de condições para que o PSD volte ao poder?

As trapalhadas em que o atual governo PS se tem envolvido e cuja gravidade não desvalorizo têm sido um poderoso combustível para as chamas alterosas que têm incendiado a vida política. Os partidos da direita, tanto da direita tradicional como da nova extrema-direita, a liberal e a caceteira, navegam à bolina desses casos, explorando-os tanto quanto podem, e visando beneficiar do demérito do governo PS para conquistar o poder.

Sucede, porém, que esta sucessão de trapalhadas permite aos partidos da direita lançar uma vozearia oposicionista muito conveniente para esconder a sua real convergência com opções fundamentais que o governo PS tem vindo a tomar.

Quando o governo PS se recusa a aumentar salários para compensar a perda de poder de compra dos trabalhadores em nome das contas certas que quer apresentar em Bruxelas, o que faria de diferente a direita se estivesse no Governo?

Quando o governo PS se recusa a compensar os professores e demais funcionários públicos pelo congelamento de carreiras decidido e executado pelos governos PSD/CDS, o que faria a direita de diferente se estivesse no poder?

Quando o governo PS se recusa a aprovar o Estatuto dos Funcionários Judiciais que os governos PSD/CDS também se recusaram a aprovar, o que faria a direita de diferente se estivesse no poder?

Quando o governo PS continua a desviar milhões do Orçamento da Saúde para o sector privado em vez de investir no SNS, o que faria a direita de diferente se estivesse no poder?

Quando o governo PS se propõe facilitar os despejos, o que faria a direita de diferente se estivesse no poder?

Quando o governo PS assume o discurso belicista da NATO e se propõe enviar armas para alimentar a guerra na Ucrânia, o que faria de diferente a direita se estivesse no poder?

E quando o governo PS anuncia a sua intenção de privatizar a TAP, não foi isso que a direita sempre reivindicou?

Será necessário ter a memória muito curta para esquecer todo o mal que os governos de direita fizeram a quem vive do seu trabalho e a quem após uma vida de trabalho deveria ter direito a uma reforma digna. E mesmo em matéria de trapalhadas será preciso ter uma memória muito curta para ter esquecido as que fizeram cair ministros como Miguel Relvas ou as demissões irrevogáveis do ministro dos submarinos.

O problema do nosso país não é a direita não estar em condições de ser alternativa, porque a direita nunca será alternativa a políticas de direita postas em prática por governos do PS. O regresso da direita ao Governo, com velhos ou novos protagonistas, seria mais do mesmo e nunca para melhor, e as trapalhadas continuariam certamente com novos trapalhões.

A alternativa terá de ser construída pela esquerda, reforçando aqueles que, à esquerda do PS, com coragem e coerência, se opõem às políticas de direita responsáveis pelo estado a que chegámos e defendem uma política que valorize o trabalho e os trabalhadores, que respeite os direitos económicos, sociais e culturais do nosso povo, que lute pela paz e pela independência nacional. Refiro-me ao PCP, obviamente. Só com o reforço do PCP haverá alternativa.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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