Macron(s) de plástico
Os tempos não estão para líderes políticos europeus transformados em feirantes de fato e gravata na China e uma diplomacia reduzida ao palco comercial e balofo
Consultor de comunicação
Os tempos não estão para líderes políticos europeus transformados em feirantes de fato e gravata na China e uma diplomacia reduzida ao palco comercial e balofo
Contrariamente ao que o delírio de alguns sugere atualmente, o contexto e a época em que as coisas acontecem são tudo. Analisar um determinado tempo passado com a lupa do presente é um insulto a esse próprio exercício e à força que a História deve ter e merece. Como o é, mas num grau consideravelmente menor, observar certo episódio, ignorando o que conduz a certas posições.
Com maior ou menor encenação, consta que Xi Jinping terminou a visita de Macron à China referindo-lhe que podia estender a mesma pelos dias que quisesse ou até passar a residir no país. Não sei se as informações destas afirmações são verdadeiras, mas a serem, certamente que refletem uma certa ironia sobre a tempestade recente e a forte contestação que o presidente francês sente um pouco por toda a França. As tais que ajudam a explicar uma parte das imbecilidades ditas por Macron na China e que entram em contradição direta e completa com a posição da União Europeia, bem reafirmadas nas vésperas da visita por von der Leyen.
Presumivelmente, toda uma outra parte da incoerência de Macron nas suas referências ao plano de paz chinês e até do prolongado paradoxo em que coloca a própria União Europeia tem a ver com a exigência do distanciamento relativo aos americanos e que, lá está, seja qual for o contexto, caiem sempre bem junto da maioria dos franceses.
Não é por acaso que vemos muitos a confundirem uma posição institucionalmente corajosa e certeira da França há vinte anos contra a invasão americana do Iraque (acompanhada na altura por muitas pessoas noutros países europeus e da qual ainda hoje se “paga” um preço geopolítico), com a defesa ucraniana tout court da administração Biden na atual invasão do regime de Putin. A descontextualização não tem limites.
Mas é também por aí que percebemos que um chavão tão caro ao enfraquecimento geopolítico da Europa na última década e que dá pelo nome de “diplomacia económica” foi a estocada final nas ambições da visita do Presidente francês a Xi Jinping.
Não sei se pouco ou nada aprendeu nos últimos oito anos e de como hoje a diplomacia económica deveria andar de forma mais cuidada e até em certo sentido a reboque da geopolítica, mas alguém deveria explicar-lhe que os tempos não estão para líderes políticos europeus transformados em feirantes de fato e gravata na China e uma diplomacia reduzida ao palco comercial e balofo.
A quem lembraria aquela comitiva empresarial secundada por uma suposta ilusão de fazer com que o Presidente chinês manifestasse qualquer mudança de posição na invasão de Putin? Naturalmente que tudo isto acabou em nada!
A verdade é que houve um tempo em que não era difícil vislumbrar bastante talento político e até uma certa firmeza na defesa dos valores europeus a Macron. Só que desde a invasão de Putin, não tem ido mais do que de passo em falso a passo em falso no grande palco mundial que tanto procura. Seja pelo desespero da situação política interna que vive ou os erros de cálculo que até contrariam a sua posição passada de uma Europa que aposte mais na sua defesa e segurança por causa da aposta chinesa de dividir para conquistar no continente.
Hoje, o Presidente francês não evitou a sombra de uma União Europeia e aliança transatlântica dividida no pior sítio onde o podia ter feito. Mais ou menos inadvertidamente, acabou a expô-la sem qualquer tipo de astúcia política.
Resta esperar que a clareza e a firmeza de von der Leyen e até de Roberta Metsola façam mais eco no seio da União Europeia do que os líderes que sempre foram de plástico ou outros que assim se tornaram, como Emmanuel Macron. Até lá, irremediavelmente irrelevantes e sem qualquer noção de uma alavanca que a União Europeia não só possui, como deveria usar.
Xi Jinping bem pode continuar a sorrir com mais ou menos ironia de todas as formas e feitios sempre que as comitivas de líderes europeus aterrarem em Pequim.
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