Desde os anos 80, medidas protecionistas gozam de pouca popularidade. Em janeiro de 2023, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, queixou-se de práticas protecionistas de Pequim: “a China subsidia fortemente a sua indústria e restringe o acesso das empresas da UE ao seu mercado”. A presidente da Comissão argumentou que, com estas medidas, juntamente com “energia barata, baixos custos de mão de obra e um ambiente regulatório mais permissivo”, "a China tem encorajado abertamente empresas com grande intensidade energética na Europa e noutros locais a relocalizarem toda ou parte da sua produção”.
Mesmo que a Presidente da Comissão estivesse a falar da China, von der Leyen poderia facilmente estar a referir-se aos EUA, e à Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act- IRA) assinada recentemente pelo Presidente norte-americano. Joe Biden. A IRA irá disponibilizar 369 mil milhões de dólares (o equivalente a 1,5 PIB de Portugal) para investimentos nas áreas do clima e da energia destinados a ajudar o país a reduzir as emissões de gases do efeito estufa dos EUA em cerca de 40% até 2030. Contudo, os programas de subsídios têm critérios marcadamente protecionistas: a maioria da produção tem de ser feita na América do Norte assim como parte significativa da extração de produtos intermédios. Em bom rigor, mesmo antes de ser implementado, o IRA já está a incentivar "empresas na Europa e noutros locais a relocalizarem toda ou parte da sua produção".
Prova disso foram o anúncio da Tesla de que vai abrir uma fábrica de baterias nos EUA em vez o fazer na Alemanha, e as decisões da Iberdrola (empresa espanhola de energia) e da Safran (empresa francesa de aviação, defesa e espaço) de deslocalizar parte da sua atividade para solo americano. Outros grupos, como Volkswagen, BMW e Audi, Enel (empresa energética italiana), Linde (empresa química alemã) e Northvold (empresa sueca de baterias), manifestaram interesse em fazer alterações às suas cadeias de produção de modo a beneficiarem de subsídios americanos.
Tal como a China, os EUA oferecem "energia barata" e "um ambiente regulatório mais permissivo" do que a UE. Além do mais, mesmo que esteja longe de ser claro que os EUA apresentem custos laborais mais baixos (depende do sector e do Estado Membro que serve de comparação), parece evidente que têm leis laborais menos protetoras. Finalmente, os EUA irão "subsidiar fortemente a sua indústria" e, possivelmente, "restringir o acesso das empresas da UE ao seu mercado" através de requisitos protecionistas de produção e de extração de matérias primas.
Não obstante, talvez mais importante do que a atração de investimento direto estrangeiro poderá ser a criação de uma estrutura de incentivos que coloque os EUA na liderança da tecnologia limpa do futuro que, simultaneamente, possibilite um aumento da geração de emprego e promova a renovação da sua indústria. Dessa forma, os EUA poderão finalmente reconciliar controversas medidas protecionistas com objetivos ecológicos e geopolíticos que reúnem crescente apoio.
Numa altura em que os EUA estão a construir uma estratégia industrial mais intervencionista, a União Europeia poderá seguir as mesmas pisadas. No dia 17 de janeiro deste ano, a presidente Ursula von der Leyen anunciou o Plano Industrial do Pacto Ecológico, um pacote que se alinha com uma nova forma de protecionismo verde e industrial. A fim de tornar a Europa o primeiro continente com impacto neutro no clima e, ao mesmo tempo, diminuir dependências geopolíticas, propõe a adoção de uma estratégia de flexibilização das regras dos auxílios estatais e promove a substituição de importações tanto de matérias-primas críticas como produtos de tecnologia limpa.
Neste momento, a UE sofre de uma perigosa dependência no que toca aos recursos necessários para tornar a transição verde uma realidade. Por exemplo, a dependência na cadeia de produção de painéis fotovoltaicos excede os 90%. Adicionalmente, a União importa 97% do magnésio e 90% de terras raras através da China. Com efeito, para atingir a meta ecológica de neutralidade carbónica, estabelece objetivos com cariz geopolítico e industrial: a UE pretende que 40% da produção de tecnologias limpas e do processamento de matérias-primas estratégicas sejam feitas dentro do bloco dos 27.
A IRA pode ter sido um ponto de viragem para a política industrial para ambos os lados do Atlântico. Com uma abordagem mais intervencionista, americanos e europeus podem diminuir as suas dependências em relação a países como a China, ao mesmo tempo que disponibilizam mais recursos para combater as alterações climáticas. Neste novo paradigma, tanto os EUA como a UE podem aumentar a resiliência das suas cadeias de abastecimento e, simultaneamente, acelerar a transição verde a nível global. Se o Presidente Nixon, que era insuspeito de ser pró-intervencionista, popularizou a famosa frase "Agora somos todos Keynesianos", podemos dizer que, em 2023, " somos todos Protecionistas!"
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