Divulgar o conteúdo fundamental da Constituição, valorizar os princípios e valores nela consagrados e mobilizar vontades para a exigência do seu cumprimento através de um conjunto diversificado de iniciativas que envolvam o conjunto mais alargado possível de cidadãos, é o propósito assumido pelos subscritores desse manifesto, que se pretende alargado e aberto à subscrição de todos os democratas que com ele se identifiquem e que de algum modo se associem aos seus objetivos de defesa e valorização do regime democrático.
O nosso país está a entrar num ciclo de comemorações que celebram a conquista da democracia pelo povo português. Em 2024 completam-se 50 anos sobre a gloriosa data de 25 de Abril de 1974, em 2025 comemoraram-se 50 anos sobre as primeiras eleições verdadeiramente democráticas realizadas em Portugal que elegeram a Assembleia Constituinte com uma participação próxima dos 92% dos eleitores, e em 2026 completam-se 50 anos sobre a aprovação e promulgação da Constituição de 1976 que é já, de entre as Constituições aprovadas em Assembleia representativa, a mais duradoura da História Constitucional Portuguesa.
É muito justo celebrar a Constituição democrática de 1976. Apesar de sete revisões que, do meu ponto de vista, não valorizaram o texto constitucional e alteraram para pior o texto originário, ainda assim, a Constituição, tal como é em 2023, continua a ser uma das leis fundamentais mais progressistas da Europa e do mundo.
Quem conheceu o fascismo sabe bem a diferença imensa entre a ditadura e a democracia, entre as liberdades democráticas e a repressão fascista, entre eleições livres e fraudes eleitorais, entre uma sociedade patriarcal e uma sociedade onde se luta pela igualdade entre homens e mulheres na lei e na vida, entre a guerra colonial e a amizade entre povos irmãos que falam a nossa língua. Só por absoluta ignorância ou indesculpável má-fé alguém pode dizer que isto está pior que antes do 25 de Abril. Apesar das dificuldades por que hoje passamos, a vida sob o fascismo era incomparavelmente pior.
Contudo, quem vive do seu trabalho e empobrece com baixo salário, quem sofre da precariedade laboral, quem recebe uma reforma revoltantemente baixa depois de ter trabalhado uma vida inteira, quem não consegue ter acesso em tempo útil a cuidados de saúde, quem não dispõe de meios económicos para que os seus filhos frequentem o ensino superior, quem não tem dinheiro para ter uma habitação condigna ou para recorrer aos tribunais para fazer valer os seus direitos, sente um descontentamento legítimo em relação ao funcionamento da democracia. Mesmo que reconheça o enorme progresso que o nosso país conheceu em consequência da Revolução de Abril que pôs fim a um regime de miséria, fome, atraso, guerra, analfabetismo, repressão, censura e obscurantismo, sente que o regime democrático está longe de corresponder na prática às fundadas esperanças de progresso económico e social justamente associadas aos valores de Abril.
Sucede que as causas desse mal-estar não resultam, nem da democracia nem da Constituição, que constitui a magna carta do regime democrático. A justa insatisfação de muitos portugueses para com o estado da democracia não resulta da Constituição, mas do seu incumprimento.
A efetivação dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados exige um poder político determinado em cumprir e fazer cumprir a Constituição e a adoção de políticas que se identifiquem com os seus valores e princípios. É isso que tem faltado.
A defesa dos valores do estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais; a subordinação do poder económico ao poder político democrático; os direitos individuais e coletivos dos trabalhadores; o direito ao trabalho, o acesso à saúde, à educação, à cultura, à justiça, à segurança social e à habitação exigem o cumprimento e defesa da Constituição.
É isto que se afirma no Manifesto que subscrevo, com a convicção de que Portugal seria melhor se a Constituição fosse cumprida na sua plenitude.
Num momento em que está em curso um processo de revisão constitucional desencadeado aliás por um partido que se assume como inimigo do regime democrático-constitucional, é importante que os democratas se façam ouvir, afirmando que a solução para melhorar a vida dos portugueses e reforçar a confiança na democracia não passa pela revisão da Constituição, mas passa precisamente pelo seu cumprimento.
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