Viktor Orbán aproveitou-se da guerra na Ucrânia para promover os próprios interesses
Os críticos de Viktor Orbán descrevem-no frequentemente como um peão do Kremlin. A realidade é mais complexa: Orbán persegue sempre o seu próprio jogo político
Tradução de Nelson Filipe
Os críticos de Viktor Orbán descrevem-no frequentemente como um peão do Kremlin. A realidade é mais complexa: Orbán persegue sempre o seu próprio jogo político
Na sua última campanha de “informação pública”, que coincidiu com o primeiro aniversário do ataque da Rússia à Ucrânia, o governo húngaro apresentou a Hungria como uma força de paz a lutar contra a máquina de guerra ocidental.
Esta retórica – complementada com ataques contínuos ao “superestado de Bruxelas” – é um exemplo clássico da propaganda que Viktor Orbán, o primeiro-ministro húngaro, tem vindo a propagar ao longo dos anos.
Acontece que a postura pró-russa de Orbán continua a ser muito mal compreendida. É estratégica, destinada a enfraquecer o apoio europeu à Ucrânia. É também relativamente nova e um reflexo da sua marca política de interesse próprio, assim como da sua vontade de arriscar para impor a posição da Hungria na cena internacional. Na verdade, Orbán não é pró-russo: é simplesmente pró-Orbán.
Para compreender como e por que veio Orbán defender uma posição “não alinhada” na guerra na Ucrânia, vale a pena recapitular. Em 2008, quando a Rússia atacou a Geórgia, Orbán – que então integrava a oposição – foi rápido a condenar a agressão russa, afirmando, claramente, que “uma agressão militar é uma agressão militar”. Foi no período posterior, num cenário de incerteza económica, que a chamada experiência “iliberal” de Orbán, aliada à sua mudança de perspetiva em direção à autocracia oriental, se instalou.
Após a sua vitória eleitoral de 2010, chegou à conclusão de que o "domínio ocidental" no mundo estava em declínio e decidiu que não seria vantajoso comprometer-se com um dos lados. Orbán estabeleceu que a Hungria deveria agir sozinha e desempenhar um papel de liderança no seio um novo bloco da Europa Central e Oriental, onde as potências mais pequenas se poderiam afirmar.
Uma aproximação com Moscovo foi uma componente essencial desta "abertura oriental" e, apenas dois anos depois de descrever a Rússia como um "agressor militar", Orbán apelou às nações da Europa Central para que criassem um novo diálogo com a Rússia – o que representou uma mudança na perspetiva da política externa húngara de duas décadas.
Parte desta mudança foi sustentada por considerações económicas, bem como pela influência dos empréstimos russos. Entre 2010 e 2014, o governo de Orbán nacionalizou as empresas húngaras do setor da energia, subtraindo-lhes qualquer participação estrangeira antes de as vender novamente a empresas húngaras pró-governamentais: por outras palavras, aliados de Orbán. Esta medida permitiu a Orbán controlar as negociações sobre o comércio de energia: em 2014, negociou secretamente a construção de uma central nuclear com financiamento estatal russo, bem como o gasoduto TurkStream, que foi inaugurado em 2021.
O país também conseguiu um novo acordo de gás, por 15 anos, com a Rússia e tornou-se sede do International Investment Bank, que é pró-russo. Em 2019, a dependência da Hungria em relação à Rússia encontrava-se a um nível que não se via desde 1990. Esta mudança, no equilíbrio de poderes, coincidiu com as reuniões anuais com Putin, tendo a última decorrido em fevereiro de 2022 e sido descrita como uma “missão de paz”.
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, Orbán viu-se perante duas escolhas: continuar a caminhar na corda bamba, entre os interesses ocidentais e orientais, ou permanecer com a Europa no seu apoio à Ucrânia. Escolheu a primeira e passou o ano de 2022 a criticar o papel da UE na guerra, ao mesmo tempo que apelava à “paz”.
O slogan de campanha do Fidesz passou a ser: "Devemos ficar de fora desta guerra". Nestes dias, não é possível andar pelas ruas de Budapeste sem ver cartazes encomendados pelo governo a criticar a política de sanções do Ocidente. Orbán aproveitou o poder que ele e os seus aliados exercem sobre os meios de comunicação para difamar os seus opositores políticos como “belicistas”.
A crise energética – que está a afectar grande parte da Europa – poderia, em última análise, tornar-se a ruína de Orbán. Com os preços da energia doméstica congelados desde 2013, a subida dos preços das faturas tem sido um choque para os eleitores húngaros. A inflação está atualmente nos 25%, em grande parte devido à má gestão da economia por parte do governo e ao empobrecimento de uma parte significativa da sociedade – incluindo a que forma a base eleitoral do Fidesz.
As repetidas provocações de Orbán à UE resultaram, finalmente, em tentativas tardias de o reprimir. Em finais de 2022, a Comissão Europeia condicionou uma subvenção de recuperação pós-covid de 7,5 mil milhões de euros à concretização de "marcos democráticos" na Hungria. No entanto, mesmo sob grande pressão, Orbán conseguiu, mais uma vez, encontrar uma saída. Em dezembro, ameaçou vetar um pacote de ajuda de 18 mil milhões de euros à Ucrânia, numa reprimenda ao comportamento da Comissão. Até agora, utilizou com êxito a posição "não alinhada" da Hungria na guerra para conseguir financiamento.
Em todas as crises relacionadas com a UE e a Rússia, Orbán conseguiu contornar quaisquer possíveis obstáculos e fazer avançar os seus interesses. À medida que a guerra na Ucrânia se arrasta, Orbán tem outros trunfos oportunistas para jogar. Sabe, por exemplo, que a Europa está a pagar um preço enorme por apoiar a Ucrânia e que alguns partidos políticos na Europa estão agora a utilizar o apelo a uma rápida resolução do conflito. Orbán está também a contar com a diminuição do apoio à guerra, assim como com a reeleição de Donald Trump em 2024, para mudar, uma vez mais, as regras do jogo.
O registo de Orbán no poder revela, acima de tudo, uma coisa: não tem medo de correr riscos e está disposto a arriscar com a posição da Hungria no palco internacional para se manter no poder. Orbán continua a mostrar esperança, mesmo adotando posições moralmente indefensáveis, que o seu apoio "pragmático" à "paz" valha a pena. Ganhou, por larga margem, com esta estratégia no passado – e, se não for controlado, poderá ganhar novamente por larga margem.
Discurso de Viktor Orbán em 2008, em Balatonszárszó: https://www.youtube.com/watch?v=0ndu5mhU1bw&t=9s
Discurso de Viktor Orbán na Bálványos (Baile Tusnad) Summer School, 24 de julho de 2010, disponível em: https://2010-2014.kormany.hu/hu/miniszterelnokseg/miniszterelnok/beszedek-publikaciok-interjuk/orban-viktor-beszede-a-balvanyosi-nyari-szabadegyetemen-es-diaktaborban-2010-julius-24 e https://atlatszo.hu/kozugy/2022/02/28/orban-viktor-11-alkalommal-talalkozott-putyinnal-2010-ota-legtobbszor-moszkvaban/
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