Opinião

O legado da esquerda

O legado da esquerda

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

Dominada por um apriorismo ideológico que releva quase do domínio da fé, a esquerda não hesita em impor aquilo em que acredita, mesmo quando os resultados são desastrosos

Errar é humano. E, obviamente, a máxima também se aplica aos políticos. Mas há uma diferença evidente entre cometer falhas aqui e ali e enganar-se sistematicamente. E, pior do que isso, em insistir nos equívocos, e de forma reiterada, quando se é alertado, vezes sem conta, para o desacerto do caminho. Porque isso é revelador, não da falibilidade de um político, mas da sua total incapacidade para exercer as responsabilidades que lhe estão confiadas.

Na passada semana, o Eurostat tornou públicos os números relativos ao PIB per capita dos países membros da União Europeia. Portugal ocupa o sétimo lugar… a contar do fim! E, de entre os muitos que se podiam escolher, esse é, porventura, o indicador que melhor revela quão dramático é o preço que pagamos pela inépcia governativa dos socialistas nos últimos sete anos (e isto para não trazer à colação as más memórias de outros períodos em que o PS assumiu tarefas executivas a nível nacional).

Há muitos supostos sábios que, quando se constata a existência de uma divergência entre aquilo que defendem e a realidade concreta das coisas, reiteram o acerto das suas teses, implicitamente sugerindo que a realidade – ou, ao menos, a forma como para ela se olha – é que não está bem.

A esquerda, de um modo geral, tem uma leitura política similar. Dominada por um apriorismo ideológico que releva quase do domínio da fé, não hesita em impor aquilo em que acredita, mesmo quando os resultados são desastrosos, convicta de que um dia (não se sabe quando, nem como) os factos acabarão por lhe dar razão. E os exemplos históricos disso, infelizmente, não faltam.

A revolução proletária, que ia mudar o mundo e abrir caminho ao comunismo igualitário, abalaria os fundamentos dos países capitalistas. Afinal, começou numa Rússia com estruturas sociais e económicas medievais. E nunca ocorreu em qualquer daqueles.

O marxismo (com ou sem leninismo, trotskismo, estalinismo, maoísmo e outros ismos) seria a salvação da humanidade. Mas foi às mãos de muita esquerda (não sei se por convicção, se por conveniência ou se por uma combinação variável das duas) que acabou metido na gaveta. Embora com mais frequência nas palavras do que nos atos…

O Estado liberal, democrático e assente em economias abertas e concorrenciais, não passava de uma superestrutura criada e sustentada pela classe dominante com o fito de dominar e subjugar os trabalhadores. Ora, não só floresceu e se desenvolveu e consolidou, como assegura e protege, como nenhum outro o fez, as liberdades individuais e a promoção da igualdade de oportunidades.

A globalização constituiria um processo tenebroso de integração económica à escala planetária, que traria o desastre e a miséria aos países mais pobres. Ao invés, não só induziu um processo acelerado de produção de riqueza, como muitos deles se encontram no grupo dos que, em termos relativos, mais dela beneficiaram.

Com estas considerações, não pretendo significar, obviamente, que as ideologias não socialistas fizeram tudo bem. E que não subsistem problemas graves e desafios sérios, a que não se conseguiu ainda dar resposta, seja em termos de organização do Estado, seja em matéria de correcção de desigualdades. O que pretendo sublinhar é, tão só, que se os modelos comunistas e socialistas tivessem feito o seu caminho, o Mundo estaria hoje muito pior do que se encontra. E, para o comprovar, basta olhar para o que se passou nos países onde essas experiências se fizeram.

A esquerda nacional não foge à regra. E é precisamente por isso que o nosso empobrecimento se vai acentuando. Porque, sempre que tem de encontrar soluções, troca aquilo que tem de ser feito pelas suas convicções.

O exemplo mais recente dessa postura são as políticas anunciadas em matéria de habitação.

O Estado é o maior e pior senhorio do país. Aumente-se, então, a sua posição, colocando-o a arrendar para subarrendar!

Milhares e milhares de imóveis públicos estão desocupados? Obrigue-se os malandros dos proprietários privados a arrendar os seus e, se o não fizerem, imponha-se-lhes de forma coerciva! E, já agora, transfira-se o odioso da aplicação da medida para os municípios!

Não se tem a mais pequena noção do que é levar a cabo uma estratégia de arrendamento coerente e consistente e, muito menos, como se deve regular o mercado? Congele-se as rendas e coloque-se os senhorios (muitos deles pessoas de poucas posses) a fazer política social.

Não há casas nas cidades? Culpe-se o alojamento local, em vez de promover políticas públicas de construção e de incentivar a iniciativa privada.

Em mais de sete anos, só há uma expressão para ilustrar a atuação dos socialistas em matéria de habitação: deserto. E, agora, querem apresentar aos outros a conta da sua inércia. Nada de novo, é certo. Mas, ainda assim, não menos censurável.

Portugal perde sistematicamente posições para os seus competidores diretos. Temos uma economia anémica. Um Serviço Nacional de Saúde em desagregação. Um sistema de justiça que não funciona. Disparidades regionais que se agravam. E, agora, preparam-se para fazer tudo errado na área de habitação e para atacar o sector que tem sido o principal responsável pela arrecadação de receita externa – o turismo.

Este é o legado da esquerda para as futuras gerações. E não só dos socialistas, mas também daqueles que com eles partilharam, durante alguns anos, de modo mais aberto ou encapotado, um projeto comum de poder.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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