Opinião

Dançar a música dos preços

24 março 2023 0:22

Tudo se resume a um princípio: o salário é a variável de ajustamento para o aumento 
do lucro, que garantirá a prosperidade e o investimento e a abundância de rios de leite e mel

24 março 2023 0:22

Como toda a gente percebeu, a luta de classe é neste momento uma luta de preços. Como não estávamos habituados, movem-se exércitos de bem disciplinados especialistas, arautos e gurus para convencer o povo ignaro não só da inevitabilidade como até da bondade da inflação, conjurando tragédias imensas se este curso fosse impedido por uma absurda manutenção dos salários reais. A banca esfrega as mãos com a margem que lhe é oferecida entre os juros minúsculos pagos aos depósitos e os impostos ao crédito e, se algo aprendeu com a impunidade da cobrança de taxas punitivas contra os clientes, foi que o Governo bradará sobre o assunto e tudo permitirá, em Portugal essa margem será o que a finança quiser, les jeux sont faits. O governador do Banco de Portugal multiplica intervenções — eram precisas tantas sobre o mesmo tema? — para avisar que os salários não podem crescer, pois arrastariam uma inflação perigosa que, curioso facto, continua a galgar (mais 6% em 2023, diz o Conselho de Finanças Públicas), apesar de a causa maldita estar ausente desta consequência. E, se há algo que ainda pode surpreender em Centeno, é que venha radicalizando a sua posição, já sugeriu que 2% de aumento salarial seria o máximo aceitável, pois esse é o objetivo declarado da inflação lá nos comités de sábios que estudam o assunto (tudo fantasia, não é?), ao passo que agora avisa a pátria do efeito devastador de um aumento de 1%, ou seja, se a perda de salário real em 2022 e 2023 não for pelo menos de um mês de vida o país estaria condenado aos infernos dos preços que, alheios a esta conversa, continuam a crescer para gáudio de não poucos beneficiários. Tudo isto é uma farsa? Olhe que não, é só o poder a ser poderoso.

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.