O artigo do Sr. Neeleman no Expresso, publicado a 11 de março de 2023, é revelador da gravidade da operação de compra de aviões para pagar a TAP, com uma “vantagem” que era exclusivamente daquela companhia.
O artigo revela vários equívocos do Sr. Neeleman e, porventura, do governo de Pedro Passos Coelho. Além disso, ressalta ainda uma conclusão: passa a ser exigível a presença deste empresário no Parlamento português que, ainda por cima, arrasta consigo a obrigatoriedade de uma pronúncia urgente da AIRBUS.
Em primeiro lugar, a decisão de usar uma “vantagem” que valia centenas de milhões de euros, que é propriedade de uma empresa do Estado português, não pode ser concedida a um “empresário convidado” ou mesmo a uma multinacional da aviação, a AIRBUS, que foi implicada no esquema, mas deve ser sempre uma decisão do acionista e, neste caso, com respeito pelos contribuintes.
Em segundo lugar, a primeira proposta da Gateway incluía o pagamento da privatização com o envolvimento das operações de troca de aviões e com utilização da vantagem de que a TAP dispunha pela encomenda de 12 aviões A350. A questão complexa que emerge, e que o Sr. Neeleman não clarifica, é se, em pleno processo de privatização, o governo português e o Sr. Neeleman já tinham acordado com a AIRBUS esta solução? Se sim, acham mesmo que é um procedimento habitual, e adequado, aos pressupostos básicos de transparência e defesa do interesse nacional? Se não fizeram qualquer articulação prévia, como poderiam aceitar uma solução desta natureza, usando meios da TAP que revelavam, pelo menos, assistência financeira fraudulenta, além de utilização indevida de meios do privatizado? Pior: como explica a AIRBUS a autorização de uma operação desta natureza a alguém que “não é o dono da vantagem” e, segundo o Sr. Neeleman, recusa-a a uma empresa detida por um estado europeu, legitimo detentor da tal vantagem? Ainda mais: o que fez o governo português de então, liderado pelo PPD/PSD?
Em terceiro lugar, o autoelogio da sua gestão é incompatível com os resultados. Em bom português, a Gateway quis “engordar o porco” para vender bem. Isso fica, aliás, claro no artigo por duas razões. A primeira é quando o Sr. Neeleman coloca o acento tónico no projeto estratégico, cujo único ponto relevante é a renovação da frota. Sim, foi renovada e cresceu bastante acima do próprio plano estratégico. A segunda quando insinua que havia uma proposta de 1000 milhões de euros pelos seus 20% da empresa em 2019, apesar de dois anos seguidos de avultados prejuízos e mais de 500 milhões de capitais sociais negativos.
Em quarto lugar, ficou finalmente esclarecido que não havia solução com os sócios privados para a TAP, aquando da chegada da pandemia. Apesar das declarações infundadas de uma robustez financeira que não existia, e que foi prontamente desmontada pela UE que recusou o apoio à TAP com ajudas covid porque a empresa já estava tecnicamente falida ainda antes da chegada da covid19. De resto, é o próprio Sr. Neeleman quem afirma discordar da reestruturação, o que condenaria, à partida, qualquer injeção de meios financeiros do Estado, mesmo envolvendo o Sr. Neeleman. Sem o envolvimento do Estado não teríamos TAP.
Por último, o Sr. Neeleman, em boa verdade, só se esqueceu de responder se insistirá no recebimento de 226 milhões de dólares prestações acessórias, que era, diga-se, dinheiro da TAP que ele utilizou para pagar a TAP.
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