De Sá Carneiro a Fernando Medina
Quem sai da presidência de um município joga a roleta russa. Os seguintes, do mesmo partido ou de outro, querem matar o precedente e isso é a marca portuguesa da gente pequena, mas muito comum, infelizmente
Quem sai da presidência de um município joga a roleta russa. Os seguintes, do mesmo partido ou de outro, querem matar o precedente e isso é a marca portuguesa da gente pequena, mas muito comum, infelizmente
1. Passaram quatro décadas desde a morte trágica de Francisco Sá Carneiro. O acidente, provocado ou não, deixou uma memória viva no país e, em especial, no centro-direita.
Sá Carneiro foi um líder muito especial. Até 1979, entrou e saiu da liderança do PPD/PSD por razões pessoais e por razões políticas. Em 1978 conseguiu antecipar a incapacidade da esquerda para a governação, perante uma situação política e económica muito difícil.
Aliando-se ao CDS, partido que um ano antes tinha feito uma coligação de governo com o PS e se afirmava centrista, e com o PPM, liderado por Ribeiro Telles, que representava os monárquicos progressistas, agregou os reformadores de Barreto, Medeiros Ferreira e Sousa Tavares, personalidades que se haviam incompatibilizado com Mário Soares.
Quando se antecipava o nascimento da Aliança Democrática começou a desenvolver-se aquela que eu considero ter sido, até há poucos anos, a maior campanha contra um político.
Sá Carneiro vivia com Snu Abecassis uma relação marital, mantendo o casamento com outra senhora. Esse foi o primeiro ponto de ataque, num país ainda muito marcado pelo ultramontanismo. A Igreja hierarquia fez o que sempre soube fazer, assobiar para o lado quanto aos princípios que defendia e apoiando a AD, tenho sido os militantes do PCP quem mais usou, em campanha, o estado civil especial do líder do já PSD.
Muitas figuras relevantes, mesmo algumas que vieram a ter grande presença na vida política portuguesa, aparentavam afastar-se, como parecia ser o caso, ao tempo, de Maria Cavaco Silva. Sá Carneiro não cedeu e Maria José, mulher de Freitas do Amaral, haveria de ser um apoio importante para Snu perante os ataques públicos.
As elites intelectuais lisboetas também não olhavam para Sá Carneiro com grande interesse. As suas ideias políticas, como se pode ver hoje pelas publicações mais recentes, eram pouco quando comparadas às de Soares ou Cunhal, e tinha o defeito de ser do Porto, essa coisa dos regionalismos sempre presente na corte…
Mas não foi esta a questão mais relevante. Sá Carneiro haveria de ver a sua esfinge inscrita em notas falsas de mil escudos, circuladas por todo o país, como que representando um empréstimo, nunca pago, a um banco e um roubo aos bens da família.
Foi, entre a primavera de 1979 e dezembro de 1980, uma permanente campanha de difamação, sem autores, sem rede, atravessando todo o país.
Estávamos longe da televisão privada, dos canais cabo, da internet, das redes sociais. O boato, com tantas pernas quantos os replicadores, era o caminho de uma informação ou de uma invenção.
Sá Carneiro vem a ser primeiro ministro durante quase todo o ano de 1980. Nessa altura as televisões, rádios e jornais tinham tutela permanente dos governos e essas notícias não passavam. A Renascença e o seu grupo, ainda marcados pela tentativa de balizamento havida logo após a revolução, odiava tudo o que fosse do centro para a esquerda. Mas, já antes, mesmo com os governos de Mota Pinto e Maria de Lurdes Pintassilgo, o tema da vida pessoal de Carneiro não era argumento político na comunicação social, com exceção de O Diário.
Sá Carneiro haveria de morrer com Snu; haveríamos de vir saber, também, que os boatos sobre dívidas não tinham qualquer fundamento.
2. Fernando Medina é o político das últimas décadas que mais atacado tem sido. Pelos partidos, pela imprensa, pelas redes sociais. É incessante a investida, sem que se saiba de onde parte para se atalhar.
É claro que Medina tem dois problemas (já tinha quando era Presidente da Câmara e não corrigiu) que contribuem para a bola de neve das mensagens falsas. São eles: a) a pouca rede de “amigos” com universos que contam na opinião pública e a dificuldade de ouvir, com cuidado, as barbaridades “marqueslopianas” que todos os dias saltam; b) a estruturação de uma mensagem com empatia. Mas estas circunstâncias podem corrigir-se, desde que pare para as resolver.
A primeira grande implicação veio pelo facto de ser do Porto e, por isso, não poder ter em Lisboa o coração. Tal como Sá Carneiro, quatro décadas antes, os regionalismos parvos que andam entre o Procópio e o Snob. Depois, veio o facto de ser duplamente aristocrata – origem da fidalguia rural e filho da nobreza vermelha, as elites intelectuais do PCP clandestino que vêm de seus pais. Patetices!
Mas o primeiro grande caso, em plena campanha das autárquicas de 2017, foi a compra de um apartamento. Dizia-se que tinha sido beneficiado. Assunto encerrado e passaram à frente. Depois veio a construção do prédio das Picoas, sem que se soubesse bem qual era a acusação. E foi marchando o assunto, a cada dia mais ampliado pelos interesses que se achavam atacados pelo município que liderava, até se evaporar.
O caso dos emails, com a identificação de cidadãos estrangeiros que se manifestavam contra os regimes políticos nos seus países, foi grave e recebeu o corretivo devido. Mas deixou marcas que ainda vão se ampliadas, aposto, pelo “moedismo”.
O seu empate em Lisboa, que não lhe deu a presidência porque a nossa lei eleitoral autárquica é asnática, trouxe uma marca que lhe ficou colada à pele. Mas a sua escolha para a pasta das Finanças foi acertada, como hoje se vê pela credibilidade que Portugal tem nos mercados internacionais e pela capacidade, que demonstrou, na alocação dos recursos necessários a que o país faça face a situações difíceis perante a crise que vivemos.
O caso Alexandra Reis podia ter acontecido com outros. E só foi mais problemático para Medina porque o jogo do abate está nele centrado. Parece-me que respondeu bem, que decidiu bem, mesmo que Marques Mendes tenha apostado o contrário. Medina devia falar mais com Mendes e com Portas…
Há ainda os casinhos da Câmara a saírem às pinguinhas. Interesses, corrupção… palermices! São coisas que têm uma roupagem tão elaborada que parecem sequelas de O Padrinho, mas não têm pernas para andar.
Quem sai da presidência de um município joga a roleta russa. Os seguintes, do mesmo partido ou de outro, querem matar o precedente e isso é a marca portuguesa da gente pequena, mas muito comum, infelizmente.
Olho para uma manchete do Correio da Manhã e vejo – Mulher de Medina recebe prémio no ano em que entra. Eu já recebi prémios no ano em que entrei a meio, porque isso depende da política das empresas privadas. A TAP é uma empresa em marcado e remunera de acordo com o mercado. E Stéphanie Sá da Silva é tão só uma das mais prestigiadas juristas portuguesas e com reconhecimento internacional.
Foi a história de Sá Carneiro que impulsionou à minha solidariedade com Medina, foi o título do CM que provocou o agradecimento à resiliência da sua família, circunstâncias que me levaram a escrever este texto. Não haveria muitos a aguentar este país tão bem retratado por Camões e Pessoa. Enveja, escreveu o nosso herói das letras…
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