Opinião

Disciplina e Forças Armadas

Disciplina e Forças Armadas

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

Não pode ser encarada de forma ligeira a atitude de 13 militares do navio patrulha Mondego

Sem disciplina militar não há Forças Armadas. Dispenso-me de explicar porquê, tão óbvia é a constatação. E, precisamente por isso, o primeiro dever de um militar é o dever de obediência, definido pelo Regulamento de Disciplina Militar como a obrigação de cumprir, prontamente e de forma completa, as ordens e instruções dimanadas de superior hierárquico, dadas em matéria de serviço, desde que o seu cumprimento não implique a prática de um crime.

Não pode, por isso, ser encarada de forma ligeira a atitude de 13 militares do navio patrulha Mondego, ao recusarem-se a cumprir ordens legítimas que lhes foram dadas pelo respetivo comandante. E tal recusa, se sempre seria grave, foi-o ainda mais por ter inviabilizado o cumprimento de uma missão de vigilância de uma embarcação russa.

As razões invocadas para tão estranho comportamento terão estado relacionadas com as condições de segurança do navio, nomeadamente por só ter um motor a funcionar.

Naturalmente, existindo preocupações desse teor, é legítimo que sejam manifestadas através da cadeia hierárquica. Mas, se quem de direito – neste caso, o comandante -, realizada a adequada avaliação, decidir que a missão pode ser realizada, sem prejuízo para a integridade física dos tripulantes e para a preservação do próprio navio, o caminho só pode ser um: cumprir a ordem.

Andaram, pois, mal – muito mal, até – aqueles militares. Que agora ficam sujeitos à aplicação das correspondentes sanções, tanto de natureza disciplinar, como de índole penal, uma vez que poderemos estar perante a possível prática de um crime de insubordinação. Mas Portugal é um Estado de Direito. E, nessa medida, não há julgamentos na praça pública, nem condenações antecipadas, razão pela qual só através dos competentes procedimentos a verdade integral dos factos poderá ser apurada e as correspondentes penalizações aplicadas.

Perante um comportamento indiciariamente culposo, porém, a Marinha não podia ficar de braços cruzados. E, por isso, para além da abertura dos inquéritos, procedeu à substituição daqueles militares na guarnição do navio.

Mas, se aí esteve bem, o mesmo já não pode dizer-se da atitude do Chefe do Estado Maior da Armada na sua deslocação à Madeira. Porque carece de sentido a operação pública e mediática que organizou e a reprimenda pública que entendeu dar. Porque, a meu ver, não é assim que uma chefia militar se deve comportar. E porque, no limite, isso pode até levar a pôr em causa a validade de decisão disciplinar que venha a ser tomada, com fundamento em violação do dever de imparcialidade (como, aliás, os advogados dos militares já se apressaram a dizer).

Nesta coluna, e a propósito do seu desempenho notável na gestão do processo de vacinação contra a covid, tive ocasião de tecer rasgados elogios ao almirante Gouveia e Melo, a quem o país muito ficou a dever. Mas, com a mesma franqueza, não posso deixar de manifestar a minha discordância – e, mesmo, preocupação – com a forma como tem vindo a ultrapassar a linha que a condição militar necessariamente acarreta, fazendo considerações públicas sobre um eventual futuro político seu.

Recordo, a esse propósito, as suas declarações em 2021, quando, inquirido sobre a possibilidade de ser candidato a Presidente da República, respondeu com expressões como “o futuro a Deus pertence”, “até lá, muita coisa pode acontecer” ou ““não se deve dizer que dessa água não beberei”. E, ainda a semana passada, foi de novo infeliz quando, numa entrevista, afirmou: “parece-me que muitas motivações para o circo que se instalou à volta deste caso, apesar da sua gravidade, não têm unicamente a ver com este facto mas são por causa da popularidade que me tem sido atribuída.”

É que se me afigura claro que, perante temas com estes contornos, um militar em funções só pode remeter-se ao silêncio.

Com vantagem para todos, o almirante devia, assim, abster-se deste tipo de comportamentos e atitudes. E, se o não fizer por si, o Presidente da República e o Governo têm a obrigação de, naturalmente em privado, levar a cabo uma intervenção pedagógica.

Mas, além de tudo isso, o episódio do Mondego veio chamar a atenção - mais ainda, se necessário fosse -, para a situação preocupante em que se encontram as nossas Forças Armadas, quer em matéria de efetivos, quer no que toca aos meios de que dispõem.

Entre 2016 e 2021, o total de militares reduziu-se em cerca de 8%. Julgo que, por esta altura, e no que toca aos militares efetivamente ao serviço nos três ramos, estará ao mesmo nível da GNR e da PSP. A isso acrescendo uma clara inversão da pirâmide organizatória, com o número de oficiais e sargentos a ser muito superior ao de praças.

Por outro lado, a falta de manutenção (por não atribuição das verbas necessárias) conduziu a que parte significativa dos meios navais de maior relevo (fragatas e submarinos) não estejam em condições de navegar. E, a propósito da oferta de tanques Leopard à Ucrânia, ficámos a saber que a maioria deles está inoperacional.

Nos tempos da governação do PSD e do CDS, e apesar da dramática situação financeira herdada, quer em 2002, quer em 2011, a consciência da importância das Forças Armadas levou a que se avançasse para a aquisição dos submarinos, das viaturas blindadas de rodas Pandur ou dos navios patrulha da classe Tejo.

Diferentemente, para o PS, fosse com António Guterres, com José Sócrates ou agora, com António Costa, as Forças Armadas nunca foram, nem são, uma prioridade. Porque aquilo que com elas se despende não gera popularidade, nem dá votos. E é isso que os motiva.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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