O colapso do Silicon Valley Bank deve-se à má gestão bancária. Mas a Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) não está livre de culpas. O Banco investiu claramente na ideia de que as taxas de juro não subiriam muito. A decisão foi imprudente, tal como também o foi a mensagem que tinha surgido do lado da Fed.
Quando a Fed mudou repentinamente de rumo e deu origem ao mais rápido aumento rápido das taxas de juro desde o início dos anos 80, os problemas que se seguiram acabaram por não constituir uma surpresa.
As instituições financeiras tomam posições nos mercados dependendo de como esperam que a política monetária evolua. Muitas vezes enganam-se, mas raramente se enganam a ponto de ameaçar a sua existência.
O que acontece a seguir é o palpite de qualquer um. Muitas outras instituições financeiras têm certamente tomado decisões tão erradas como os bancos centrais que, em todo o mundo, têm aumentado as taxas de uma forma sem precedentes na história económica moderna. E ainda as estão a aumentar. É demasiado cedo para dizer quantas instituições serão afetadas e onde estão. Os bancos centrais e o público têm boas razões para se preocuparem.
A perspetiva da política mudou radicalmente. Há duas formas de os bancos centrais responderem ao aumento da inflação.
A abordagem utilizada até agora tem sido a de lançarem uma série ao estilo kamikaze de grandes e rápidas subidas de taxas, com a intenção de baixar rapidamente a inflação. É agora claro que esta abordagem corre o risco de desencadear a instabilidade financeira. Terá de ser abandonada.
A outra abordagem possível passa por aumentar as taxas mais lentamente e parar a um nível mais baixo, mas mantê-las nesse nível por um período mais longo, com a intenção de baixar a inflação a um ritmo mais lento. Esta abordagem parece mais atraente agora.
O episódio tem ainda outra preocupação, mais profunda, de que a política monetária já não possa ser conduzida da mesma forma que no passado.
Antes da Crise Financeira Global de 2008, a política monetária era definida utilizando apenas uma taxa de juro de curto prazo. As mudanças nessa taxa alimentaram-se através do sistema financeiro de forma previsível, afetando os rendimentos das obrigações, as taxas de câmbio, o custo e a disponibilidade de crédito. Os bancos centrais tinham uma boa noção desse mecanismo de transmissão e sentiam-se livres para alterar as taxas de juro tanto quanto fosse necessário.
Agora, as coisas estão mais difíceis. A Fed começou a reduzir o seu balanço em 2017, mas teve de reverter abruptamente a decisão 18 meses mais tarde, uma vez que tinha acabado por colocar o sistema financeiro sob tensão. A crise das pensões no Reino Unido, no outono passado, mostra como o mercado se pode tornar ansioso quando as expectativas políticas mudam radicalmente. E o ciclo de subida das taxas desencadeado pela Fed entrou agora no limbo porque as instituições financeiras não conseguiram resistir às mudanças bruscas das taxas de juro que adoptou.
O Silicon Valley Bank assumiu perdas nas carteiras de obrigações à medida que as taxas de juro subiam. Ainda não vimos o efeito da subida das taxas de juro na carteira de empréstimos. Em vários países, uma parte significativa das hipotecas é detida a taxas variáveis que terão duplicado ou mais no último ano, devido ao aperto do banco central.
O aumento dos reembolsos das hipotecas juntamente com a perspetiva de uma recessão devido a uma política monetária mais restritiva - cujo efeito máximo na economia ainda está por medir - sugerem que alguns bancos de retalho poderão em breve estar em apuros.
Olhando para o futuro, existe o risco de que as fraquezas do sistema financeiro - frequentemente não detetadas até ser demasiado tarde - impeçam os bancos centrais de gerir a sua política tal como estão habituados. Uma consequência será o agravamento nos mecanismos de controlo da inflação, uma vez que os bancos centrais não podem responder às pressões sobre os preços como costumavam fazer. A redução do controlo monetário provocando mudanças mais imprevisíveis na inflação são suscetíveis de gerar maiores oscilações nos preços dos ativos. Não é um bom cenário para os banqueiros centrais e para os mercados financeiros.
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