Ao completar um ano em Portugal, tive o privilégio de, durante grande parte desse período, receber e conversar, graças a uma das minhas atividades profissionais, com diversas personalidades portuguesas, centrais na relação com o Brasil: o atual e um ex-primeiro-ministro, António Costa e José Manuel Durão Barroso; o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Cravinho; o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, o embaixador de Portugal no Brasil, Luís Faro Ramos, o presidente da Associação Portugal Brasil 200 anos, José Diogo; além de dezenas de artistas e jornalistas.
Em comum, todos demonstram uma profunda admiração pelo que reconhecem como a grande “obra” de Portugal: o Brasil. É dessa forma que demonstram um carinho genuíno de ver e sentir a minha terra, por oposição ao que muitas vezes observo em alguns dos meus compatriotas, especialmente de uma estirpe de patriotas que parecem ter vergonha do que nós somos: um país que, nascido diverso, tem na cultura a sua verdadeira cola.
Com tamanha reserva de afeto, ficou claro para mim que o Brasil tem uma grande oportunidade para investir numa relação ainda mais próxima e profunda com Portugal: o seu acesso privilegiado ao mercado comum europeu é um ativo para o qual o Brasil deveria olhar com muito mais atenção. E, quanto a mim e do que tenho observado, Portugal precisa de saber posicionar-se nessa plataforma europeia.
Um exemplo simples: uma joint-venture de uma empresa luso-brasileira, sediada em Portugal, ganha automaticamente um "golden visa" de acesso a toda a Europa através do acordo de livre circulação de pessoas, serviços e bens.
Um grande acontecimento – num futuro próximo – para redefinir e intensificar essa relação apresenta-se na Cimeira Luso-Brasileira, que se realizará entre os dias 22 e 25 de abril em Portugal, depois de sete anos de um lamentável hiato.
A desejada retoma das relações bilaterais ocorre no momento em que o Brasil volta a demonstrar interesse em alinhar-se com as principais democracias europeias: o desejo de voltar ao mainstream mundial, e deixar a periferia obscurantista, já ficou claro nestes primeiros 90 dias do novo Governo, de Lula da Silva. Nesse sentido, o novo Presidente do Brasil é o mais importante líder conservador – favorável à ordem estabelecida - da nossa História.
No caso de Portugal, parece haver uma necessidade de afirmação com mais clareza de que o país não deseja atravessar esse Rubicão e experimentar um mergulho que poderia significar uma perda do peso político na Europa, do qual usufrui muito pelo efeito da moderação na política interna. Portugal é uma força estabilizadora numa Europa conturbada.
Espero, sinceramente, que o Brasil entenda a oportunidade que se apresenta e saiba capitalizar o enorme bem-querer que os irmãos portugueses têm pelo nosso país, sem se deixarem impressionar por um limitado número de radicalizados deste lado do Atlântico que buscam a notoriedade pelo populismo reacionário antissistema; amalgamando ressentidos de todas as classes sociais.
Anima-me ter testemunhado o Presidente Lula da Silva demonstrar, em novembro passado, numa conversa à mesa com o embaixador de Portugal no Brasil, a boa compreensão da positiva abertura que se apresenta, tanto para os negócios entre os dois países como a dimensão da importância da defesa dos valores da Democracia Liberal dos dois lados do Atlântico.
Pelo lado de Portugal as vantagens também são claras: acesso a uma invejável capacidade de investimentos gerida por inúmeras empresas altamente sofisticadas e prontas para disputar espaço em mercados mais maduros. Do lado político, pode ser uma boa ideia para Portugal aprender formas de combater o reacionarismo populista, pois pode revelar-se útil. As conversas que tive com interlocutores portugueses também são animadoras: o entendimento do perigo que paira no ar é cristalino. O que preocupa é a avaliação da probabilidade de o improvável se materializar.
Entretanto, apenas a consciência do perigo não basta, é necessária uma ação coordenada e unida, o Brasil de 2018 demonstrou claramente isso. Acompanhei bastante de perto toda essa dinâmica com o Instituto Política Viva, por inúmeros debates com as lideranças mais representativas de todas as correntes políticas democráticas do país, além dos mais destacados cientistas e analistas políticos. Como nos Estados Unidos da América, a experiência culminou com a sede do Parlamento pilhado e saqueado por hordas de fanáticos.
Tomara que bons ventos soprem nessa Cimeira, que para ter sucesso precisa de olhar além da relação Portugal – Brasil e considerar os seus impactos - com e para - a Europa.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes