Os Estados Unidos e a China apoiam as suas empresas. A Europa faz declarações ambiciosas. E Portugal pede ajuda. Assim tem sido e assim foi mais uma vez com o anúncio do Green Deal Industrial Plan, feito pela Presidente Ursula Von der Leyen, que antecede a apresentação do Net-Zero Industry Act, esta quarta-feira, dia 16 de março. Convinha, no entanto, que a Europa e, já agora, Portugal, fizessem melhor e se tornassem mais competitivos e credíveis. No caso português, viemos imediatamente apelar à solidariedade europeia. Infelizmente, é tudo o que nos resta.
Os Estados Unidos anunciaram o Inflation Reduction Act (IRA), um pacote legislativo que prevê um investimento de cerca de 400 mil milhões de dólares em subsídios e créditos fiscais para fomentar a criação de infraestruturas e produção de energias “verdes”. Já a China continua a apoiar massivamente a produção de tecnologia limpa. Consequentemente, a Europa percebeu duas realidades. Por um lado, que as suas empresas poderiam deslocar-se para onde são mais apoiadas, isto é, os EUA; por outro, que pode ficar para trás na produção e transição para um mundo baseado em energias limpas.
Num mundo em que a competição entre grandes potências se tem acelerado significativamente, este é mais um exemplo de como a Europa está mais sozinha e mais frágil. Tem-se tornado cada vez mais comum ver a Europa ser surpreendida por anúncios como os que mencionei acima, uma situação agravada por um particular desinteresse manifestado pelos EUA em coordenar-se connosco, de modo a tentar amenizar o impacto da concorrência e encontrar uma solução win-win. O resto do mundo já percebeu que a Europa sabe regular, mas não sabe competir. Assim, vai-se habituando a ver a inovação tecnológica tomar lugar noutras partes do mundo, onde as empresas crescem e florescem. A Europa regula primeiro para deixar crescer depois. Provavelmente a receita é a inversa.
Mas a Europa quis responder, especialmente ao IRA, e colocar-se na corrida. Fê-lo como sabe e, na verdade, como consegue. Com declarações ambiciosas, alicerçadas em metas longínquas e embrulhadas em vários milhões de euros, que ninguém percebe muito bem de onde vêm. O objetivo é não deixar fugir as empresas sediadas na Europa. Não é fácil.
A Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, anunciou então o Green Deal Industrial Plan sugerindo um plano intervencionista para apoiar a indústria limpa na Europa. Deste modo, a Comissão simplificará e acelerará a aprovação de projetos de tecnologia limpa, concentrando-se na energia eólica, solar, hidrogénio limpo e armazenamento de energia. Além disso, no curto-prazo, pretende relaxar as regras dos auxílios de Estado para aumentar o financiamento às empresas. No entanto, é sabido que esta medida “beneficia” apenas os países mais ricos, como a Alemanha e a França. Como seria de esperar, alguns países vieram imediatamente rasgar as vestes e gritar por solidariedade. Afinal, a União Europeia (UE) é um projeto solidário e, em certa medida, homogéneo.
Portugal, obviamente, foi um desses países, o que não surpreende porque a política europeia a nível nacional tem-se baseado em pedir dinheiro, lembrar as políticas de coesão e exigir que os outros sejam solidários. Temos tanto medo que se esqueçam de nos ajudar, que chega a ser triste. O problema não é o facto dos pequenos e médios países da UE precisarem da mesma para ganhar escala. Isso é normal e desejável. O problema é terem-se habituado a depender da “solidariedade” europeia. O que interessa não é desenvolver uma estratégia. O que importa é acabar com os desequilíbrios e acabar com a “Europa das várias velocidades”. O que interessa é harmonizar e nivelar, naturalmente, por baixo.
Portugal é o rosto deste flagelo. Sem reformas, ambição, ou estratégia, continua a ser um dos principais dependentes do “dinheiro da Europa”. Continua encostado. Continua adormecido. Teve a sorte de entrar num clube onde é possível gritar por solidariedade e os outros são obrigados a ajudar.
A Comissão, sabendo isso, apresentou imediatamente a ideia de um Fundo de Soberania. Um fundo que, na verdade, pode nem vir a ter dinheiro próprio. Apesar de se apoiar numa retórica Made in Europe, a Comissão sabe que o fundo não será robusto, nem terá grande utilidade. A esperança é que acalme alguns espíritos mais preocupados.
Numa Europa que se quer competitiva e atrativa, a resposta não pode ser nivelar por baixo, não pode ser harmonizar, não pode ser apenas a solidariedade. O que interessa é ser credível para se ser respeitado e impor a sua vontade. Mas, para o sermos, temos de definir um caminho claro de crescimento e alocar os instrumentos necessários para o materializar. O primeiro passo deveria ser o reconhecimento de que a corrida e competição não é apenas com os americanos e chineses. É também entre nós. E se cada um correr para ser melhor, toda a UE sairá fortalecida.
No entanto, nada disto resultará se este trabalho não começar dentro de casa. Por isso, antes que se grite por solidariedade, sugiro que se inicie a reforma urgente e profunda de um país que não pára de se afundar.
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