Opinião

Turismo: 13 desafios e 17 recomendações

Turismo: 13 desafios e 17 recomendações

Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na Nova SBE

A economia portuguesa depende do turismo. A margem de erro é baixa. O tema da sustentabilidade pode ser o mais relevante desta década

Que condições precisam de ser atingidas para iniciarmos um debate nacional sobre overtourism? É possível Portugal ser visto como um destino de turismo sustentável, quando o próprio país ainda não está bem posicionado em rankings globais de sustentabilidade? A nível económico, poderá existir um limite para o peso que o turismo deve ter na economia portuguesa? Recentemente, o Nova SBE Westmont Institute of Tourism & Hospitality convidou 21 altos representantes do setor de turismo, vinculadas a entidades governamentais, empresas e associações empresariais, para discutirem, de forma desimpedida e sem público, os desafios associados ao turismo e à sustentabilidade em Portugal.

Em 2021, o consumo turístico no território económico foi de 21,3 mil milhões de euros, representando 10,1% do total do PIB. A dilatação das cifras do turismo iniciou-se em 2014, ano em que o governo apostou em market intelligence, dados, planeamento e campanhas internacionais de captação de turistas. Mas é também o resultado de eventos fortuitos, como a situação geopolítica global, que atiça os fluxos turísticos para países com mais segurança pública, como Portugal.

Gradualmente, a economia portuguesa tornou-se cada vez mais dependente do caudal crescente de turistas estrangeiros, o que torna o país vulnerável a choques externos. E esta elevada exposição do país a um único setor ainda não foi devidamente integrada num plano holístico que considere também os impactos do turismo em vários outros domínios, como a disponibilidade de habitação para residentes locais, os constrangimentos à infraestrutura de mobilidade urbana ou a pressão sobre a oferta de saúde pública. O turismo, como qualquer outro setor económico, gera externalidades negativas que é preciso antecipar e mitigar. A Suíça, por exemplo, tem conseguido reduzir a sua dependência do setor financeiro, que contribuiu 9% para o PIB helvético o ano passado, uma percentagem inferior há de uma década atrás.

O país precisa de optar por qualidade, não apenas por quantidade. Agora que Portugal já ganhou todos os prémios setoriais que podia, o planeamento para a próxima década precisa de ser sistémico e sistemático. É aqui que o tema da sustentabilidade pode desempenhar um papel vital. A sustentabilidade é uma caixa de ferramentas que pode ser usada para revigorar a competitividade da economia e qualificar o turismo nacional. A partir das discussões ocorridas na Nova SBE, foi produzido um relatório, sob minha coordenação, que listou 13 desafios e apresentou 17 recomendações, disponível publicamente a partir de hoje.

Todas as empresas que operam no setor precisam de se tornar mais sustentáveis, seja por razões regulatórias, para atender às preferências dos clientes ou para alavancar ganhos financeiros. Mas, como concluiu o estudo, “há desconhecimento generalizado em Portugal sobre práticas de sustentabilidade corporativa, que é geralmente vista de forma afunilada e centrada em certificações, rótulos, requisitos legais e prémios.” E sendo que 99,9% do tecido corporativo português é composto por PMEs (dados Pordata), como garantir a transformação destas empresas, com maiores limitações de recursos, em empresas sustentáveis?

O país precisa também de aproveitar o interesse dos viajantes por turismo sustentável, um nicho de mercado que irá agigantar-se na próxima década, segundo a Organização Mundial do Turismo. As empresas que optam por esta visão estratégica são expostas a novas oportunidades de negócios, novos mercados e uma nova base de clientes, extraindo, desta forma, também benefícios a nível reputacional e de gestão de marca – afirma o relatório. Mas como dosear os investimentos financeiros necessários à transição para o turismo sustentável e a necessidade de assegurar receitas a curto prazo?

Portugal afirma-se no plano nacional e internacional como um destino de turismo sustentável. A Estratégia Turismo 2027, assenta na asseveração do “turismo como hub para o desenvolvimento económico, social e ambiental em todo o território, posicionando Portugal como um dos destinos turísticos mais competitivos e sustentáveis do mundo”. Mas estudos internacionais aparentemente ainda não reconhecem a liderança do país neste setor. No estudo Top Countries for Sustainable Tourism publicado pela Euromonitor, Portugal está apenas posicionado em 20º lugar, num ranking liderado pela Suécia, Finlândia, Áustria, Estónia e Noruega. É imperativo que haja consistência entre discurso e prática.

Finalmente, temos de discutir a sustentabilidade do turismo em Portugal. Mas como evitar que o debate seja qualitativo e não meramente quantitativo? O congestionamento do turismo não se refere apenas ao número de visitantes, mas também à capacidade de administrar um volume adicional de turistas de forma integrada.

Em 2022, 23 cidades europeias (incluindo o Porto) publicaram uma carta aberta à Comissão Europeia, instando-a a tomar “medidas legislativas” que limitem o alojamento de curta duração no continente. Vários destinos turísticos a nível mundial impõem limites ao número de turistas, como Amesterdão, Polinésia Francesa, ilhas Galápagos, Dubrovnik ou Butão. A nível nacional, os passadiços do Paiva, o ilhéu de Vila Franca do Campo (Açores) ou a ilha da Berlenga têm limites legais de número de visitantes, com objetivos de preservação da natureza. É importante estimularmos um debate rigoroso e científico sobre a gestão sustentável do turismo em Portugal e os potenciais limites à atividade turística no país, desenvolvendo estudos e metodologias de avaliação de impacto do turismo nos territórios e de monitorização e avaliação da capacidade de carga nos destinos turísticos, incluindo de áreas protegidas e áreas urbanas mais densamente ocupadas. Deveriamos evitar lógicas puramente proibicionistas.

Os desafios são expressivos, mas o relatório apresenta quase duas dezenas de recomendações e orientações. Por exemplo, o Turismo de Portugal deveria desenvolver e anunciar um programa nacional de larga-escala de descarbonização do setor de turismo, alinhado com as metas e políticas nacionais de descarbonização e alterações climáticas. Um programa semelhante foi anunciado pela Nova Zelândia. Outra recomendação: deveríamos reformular o sistema de classificação (número de estrelas) de estabelecimentos hoteleiros, de aldeamentos turísticos e de apartamentos turísticos para integrar critérios de sustentabilidade como requisitos obrigatórios.

Como disse um participante, “precisamos de verdadeiramente debater o setor, precisamos de analisar todas as nossas limitações, sem medos, não podemos ser apenas conjunturais ou imediatistas”. Todos concordaram.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas