Opinião

O extremismo do bloco

O extremismo do bloco

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

Não há extremismos “fofinhos”, sejam eles de esquerda ou de direita. E já percebemos que o Bloco de Esquerda se integra, plenamente, nesse grupo

Não tenho qualquer simpatia por extremismos políticos, venham de onde vierem. E não compreendo, nem aceito, a contemporização selectiva que muitos, à esquerda, revelam face ao Bloco de Esquerda e muitos, à direita, evidenciam face ao Chega. Porque, acima de tudo, o que se me afigura fundamental é perceber quem está do lado da tolerância, do respeito pelos outros, da liberdade e da democracia e quem, de forma mais assumida ou mais encapotada, milita no campo oposto.

Nessa linha, incomoda-me sobremaneira o modo como, desde a sua origem, o Bloco de Esquerda tem sido normalizado, quando não mesmo protegido, culminando com a sua integração no bloco de poder que ficou conhecido como geringonça.

Se dúvidas não podem existir, a meu ver, quanto à sua verdadeira natureza e aos seus reais propósitos, alguns desenvolvimentos recentes vieram evidenciá-lo de forma (ainda) mais clara. Refiro-me, em especial, à iniciativa legislativa que o Bloco apresentou em matéria de habitação e à reafirmação da sua postura face à guerra na Ucrânia, que consta da resolução aprovada na reunião da sua Mesa, realizada no final da passada semana.

Como qualquer partido radical de esquerda que se preze, o Bloco é adversário da propriedade privada, pouco lhe importando, assim, que se trate de um direito fundamental, constitucionalmente consagrado e que assume, nas suas dimensões essenciais, natureza análoga à categoria dos designados direitos, liberdades e garantias.

Vai daí, o Bloco pretende que a Assembleia da República proíba, por lei, que não residentes em Portugal possam vir a adquirir imóveis em território nacional. E que o faça até relativamente a quem tenha autorização de residência temporária em Portugal concedida no quadro de uma actividade de investimento (aquilo que ficou vulgarmente conhecido por vistos gold).

Na sua lógica populista do vale-tudo, ao Bloco pouco importa que haja normas jurídicas que não podem, pelo valor intrínseco que têm, ser questionadas. E, por isso, não o incomoda apresentar propostas que diretamente as contradizem.

A nossa lei fundamental – e bem – entendeu consagrar uma regra de equiparação geral entre cidadãos portugueses, estrangeiros e apátridas. E por isso estabelece, no artigo 15.º, que os estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.

Dessa equiparação geral são excluídos, apenas, os direitos políticos, o exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados exclusivamente a cidadãos portugueses.

Como facilmente se compreende, o direito de propriedade privada (incluindo sobre imóveis) está entre aqueles que não podem ser negados a estrangeiros ou apátridas. E, sublinho, nem sequer é necessário residir em Portugal. Basta que aqui se encontrem.

Por outo lado, se descermos do nível geral ao patamar da União Europeia, o n.º 2 do artigo 21.º da Carta dos Direitos Fundamentais expressamente interdita toda a discriminação em razão da nacionalidade. E isso significa que, sob pena de violação de uma regra de direito europeu, que tem prevalência sobre a legislação nacional, não pode proibir-se um cidadão (ou, até, uma empresa), de um Estado membro, de adquirir imóveis em Portugal.

Nenhum dirigente do Bloco de Esquerda – e, muito menos, cada um dos seus Deputados – desconhece estes factos simples. Mas que interessam os princípios, quando se julga que da proposta da sua violação podem advir mais uns votinhos?

Muito esclarecedora a propósito daquilo que o Bloco verdadeiramente é, afigura-se-me, também, a sua retórica quanto à forma de encarar a situação na Ucrânia (e o que por detrás dela se esconde).

A resolução da sua Mesa, a que acima fiz referência, dedica seis parágrafos a este tema. Aí se alude, quase de passagem, à invasão russa, adjetivada uma vez como brutal e outra como criminosa. Tudo o mais, porém, é uma crítica ao modo como os Estados Unidos, a União Europeia e a NATO têm agido, numa lógica de equiparação (para não dizer pior) entre o agredido e os seus apoiantes, por um lado, e o Estado responsável por uma agressão não provocada e que se desenrola de forma especialmente brutal e sanguinária, por outro.

E assim se critica “o aprofundamento do alinhamento da União Europeia com a estratégia belicista da administração estadounidense de Joseph Biden”, se afirma “que os passos necessários e efetivos para conversações de paz só serão dados quando o Complexo Industrial Militar, que parece ser quem define a estratégia do imperialismo, considerar oportuno” e se vai ao ponto de se dizer que “qualquer decisão de fornecimento de armamento de longo alcance - e não apenas defensivo - agrava irresponsável e exponencialmente a brutalidade destruidora da guerra”.

A linguagem ideológica passadista, que evoca um passado a que não queremos voltar é, por si só, muito significativa. Mas pior – muito pior – do que isso, é o conteúdo real das ideias expressas: o questionar do direito da Ucrânia a defender-se por todos os meios, a crítica raivosa aqueles que a apoiam na reposição da legalidade internacional violada e o (suposto) apelo a esforços de paz, que tem subjacente a concepção de que é necessário contemporizar com os interesses ilegítimos da Rússia.

Não há extremismos “fofinhos”, sejam eles de esquerda ou de direita. E já percebemos que o Bloco de Esquerda se integra, plenamente, nesse grupo. Assim, não é mais do que tempo de o reconhecer e de daí retirar as indispensáveis consequências em termos políticos?

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas