Já muito se falou sobre a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e o palco de mais de cinco milhões de euros, mas é preciso ter em consideração que aquela estrutura é um mero detalhe se olharmos para o avultado investimento que será feito pelo Estado português, repartido entre Governo e três câmaras municipais (Lisboa, Loures e Oeiras).
Lembro-me bem de o Presidente da Républica, Marcelo Rebelo de Sousa, celebrar entusiasticamente quando recebeu a notícia de que a JMJ vinha para Lisboa. Lembro-me do primeiro-ministro, António Costa, e do, na altura, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, regozijarem-se com a novidade, mas passou-se mais de um ano e meio, estamos a escassos meses do evento e ainda nem sabemos ao certo qual o investimento total, quanto vai ser assumido pelo Governo e pelas autarquias e tão pouco sabemos qual será o investimento da própria Igreja.
O que sabemos até agora é que o investimento total conhecido por parte do Estado está em 81,5 milhões de euros, cabendo ao Governo 36,5 milhões, à Câmara Municipal de Lisboa 35 milhões e à de Loures 10 milhões - e continuamos sem saber qual a parte que diz respeito a Oeiras, que vai também contar com a realização de um evento no âmbito da JMJ.
E há várias questões em todo este processo que merecem alguma reflexão. Desde logo, o facto de ser o Estado português a patrocinar um evento de cariz religioso. Vivermos em democracia pressupõe o respeito pela liberdade de consciência, de religião e de culto, mas tal não significa que o Estado tenha de ser um promotor, um patrocinador desse culto ou de um evento associado a uma qualquer religião. Muito pelo contrário, já que a própria Constituição da República Portuguesa prevê, no seu artigo 41.º, que as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções.
Esta independência e liberdade de atuação pressupõe também que estas comunidades religiosas tenham a capacidade de se autofinanciarem, sem precisarem de recorrer ao Estado para desenvolverem a sua atividade ou realizarem as suas iniciativas. Mesmo que houvesse apoio público, nomeadamente logístico, para a realização de determinado evento pelas suas características ou dimensão, isso não implica financiar praticamente o evento no seu todo.
Ainda para mais quando continuamos sem saber qual a parcela que competirá à Igreja. Ou seja, o promotor - entidade organizadora e, portanto, a maior interessada no sucesso do evento – tem sido a parte mais descomprometida com todo o processo. A Igreja devia ser a primeira a clarificar qual o seu contributo.
E os valores associados à JMJ representam um verdadeiro atentado moral aos portugueses, que pagam impostos para os verem esbanjados sem critério e de forma difícil de escrutinar em projetos faraónicas, enquanto os serviços públicos continuam em deterioração de dia para dia.
No entanto, há quem tenha uma fé inabalável na decisão de patrocinar em mais de 81 milhões de euros este evento. Há até quem defenda que o investimento vai ter um enorme retorno, embora, a escassos meses da JMJ, ainda ninguém consiga aferir qual o retorno expectável. Portanto, temos o Governo à espera de um milagre: que os visitantes gastem o suficiente na sua estadia para que o investimento tenha o devido retorno.
Por outro, argumenta-se que é uma questão cultural, já que religião também é cultura e, portanto, faz sentido ser o Estado a apoiar. Este dinheiro não poderia ser aplicado noutro tipo de iniciativas, que não estes megaeventos, que sejam mais duradouras e que diversifiquem a oferta existente?
Já que o Estado tem tanta fé, será que quando se perceber que não vai haver milagre que salve este investimento desproporcionado, algum dos nossos dirigentes, dos nossos responsáveis políticos, vai confessar tamanhos pecados e submeter-se à consequente penitência?
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