Cenários políticos
Um Governo pode sempre cair por decisão do Presidente da República, se a avaliação política que fizer da situação o vier, na sua perspetiva, a exigir
Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD
Um Governo pode sempre cair por decisão do Presidente da República, se a avaliação política que fizer da situação o vier, na sua perspetiva, a exigir
Na entrevista que António Costa concedeu à RTP na passada segunda-feira, foi notória a mudança de registo face, por exemplo, ao que tinha sucedido, há pouco mais de um mês, na entrevista à Visão. A soberba e a altivez desaparecerem e o primeiro-ministro até reconheceu, de forma clara e assumida, erros do Governo.
Não sei se o fez por tática ou por convicção quanto à necessidade de alterar a sua postura. Mas, seja qual for a razão, não deixo de saudar essa mudança, porque é incomum, entre nós, que um chefe do Governo dê, publicamente, a mão à palmatória.
Contudo, de tudo quanto ali foi abordado, o que mais relevante se me afigura tem que ver com a análise de hipotéticos cenários políticos futuros. Algo que, só por si, é bem revelador dos termos em que António Costa avalia a fragilidade do Executivo que lidera.
Lembrando que apenas por três vezes os partidos no poder venceram eleições europeias, concluiu António Costa que nunca o rescaldo delas gerou crises políticas.
Não desvalorizo, evidentemente, a importância da análise histórica e das conclusões que dela se podem retirar. Mas o passado é o que é. E, em política, nada obriga a que o que já foi volte a ser.
Aliás, o percurso de António Costa é bem prova disso. Porque, até à sua posse em 2015, nunca um líder partidário que tivesse ganho eleições tinha sido impedido de governar, como ele fez com Pedro Passos Coelho.
E, se recuarmos uns anos mais, também podemos constatar que nunca o resultado de eleições autárquicas tinha conduzido à demissão de um primeiro-ministro, até que António Guterres se afastou, na sequência do desaire de 2001.
Mas, não é só no contexto eleitoral que as coisas se podem (e vão) alterando. Exemplo: nunca um Presidente da República tinha dissolvido a Assembleia da República na sequência da reprovação de um Orçamento. E Marcelo Rebelo de Sousa fê-lo em novembro de 2021.
A postura defensiva de António Costa ficou patente, ainda, nos recados públicos que decidiu enviar ao Presidente da República, dizendo que se dissolver a Assembleia da República a meio da legislatura estará a agir contra as palavras que proferiu na cerimónia de tomada de posse do Governo.
Sucede que António Costa sabe bem que isso não corresponde à verdade. E, para o demonstrar, nada melhor do que relembrar, textualmente, aquilo que Marcelo Rebelo de Sousa então disse:
“Deram (os portugueses) a maioria absoluta a um partido. Mas também a um homem: Vossa Excelência Senhor Primeiro-Ministro. Um homem que, aliás, fez questão de personalizar o voto – ao falar numa escolha entre duas pessoas para a chefia do Governo. Agora que ganhou, e ganhou por quatro anos e meio, tenho a certeza de que Vossa Excelência sabe que não será politicamente fácil que esse rosto, essa cara, que venceu, de forma incontestável e notável, as eleições, possa ser substituída por outra, a meio do caminho. Já não era fácil no dia 30 de janeiro. Tornou-se ainda mais difícil depois do dia 24 de fevereiro. É o preço das grandes vitórias inevitavelmente pessoais e intencionalmente personalizadas”.
O sentido destas palavras é uno e inequívoco: António Costa não pode sair do cargo pelo seu próprio pé. E, se o fizer, não haverá outro caminho que não a realização de eleições antecipadas.
Mas um governo pode sempre cair por decisão do Presidente da República, se a avaliação política que fizer da situação o vier, na sua perspetiva, a exigir – seja por demissão (o que se revela muito pouco provável, face aos temos restritos em que a Constituição autoriza o Presidente da República a optar por essa solução), seja por dissolução da Assembleia da República, como aconteceu com Jorge Sampaio.
Ora, Marcelo Rebelo de Sousa, naquela ocasião ou noutra, nunca disse que não o faria. Nem o poderia ter feito, aliás, porquanto isso corresponderia a uma ilegítima e inconstitucional abdicação da possibilidade de exercício dos poderes mais relevantes que a lei fundamental lhe confere.
Creio que António Costa não mediu, adequadamente, o alcance das suas palavras. E, se insistir nesta linha de argumentação, os avisos que pretendeu deixar à navegação podem vir a contribuir precisamente para o inverso daquele que era o seu objetivo, isto é, para a normalização da ideia de que, se as coisas permanecerem como estão, muito dificilmente haverá condições para o Governo cumprir até ao fim o seu mandato.
Neste momento, o panorama é, para ele, especialmente adverso: um governo que se desfaz à vista de todos, uma contestação social crescente, uma situação económica marcada pela incerteza. E, como consequência disso tudo, sondagens que, pela primeira vez em mais de seis anos, colocam o PSD à frente nas intenções de voto.
Uma vez que as eleições europeias terão lugar em maio/junho de 2024, António Costa tem, assim, cerca de um ano e meio para demonstrar que é capaz de arrepiar caminho. Mas, se o não fizer, esse poderá mesmo ser, para ele, o fim da linha.
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