Opinião

Privatização da TAP – a fita do tempo

Privatização da TAP – a fita do tempo

António Filipe

Membro do Comité Central do PCP e professor universitário

Por obsessão ideológica de sucessivos governos e pela submissão ao processo de liberalização do sector aéreo imposto a partir da Comissão Europeia, a TAP está há mais de 20 anos num processo de privatização com prejuízos gigantescos para a companhia e para o país

Primeiro foi a Swissair. A TAP entrou num grupo liderado pela companhia suíça e o fim da linha seria a integração plena no grupo. O processo abortou porque a compradora faliu, depois de muitas funções terem sido integradas. Resultado: prejuízos enormes para a TAP.

Depois deu-se a separação do sector da assistência em escala (handling), até então um sector altamente lucrativo da TAP. Para o efeito foi criada a SPDH/Groundforce e vendida à espanhola Globália.

Depois foi a ruinosa compra da antiga manutenção da Varig, num processo que traria centenas de milhões de euros de prejuízos para a TAP.

Depois a situação da Grounforce tornou-se insustentável e foi renacionalizada, não sem que isso implicasse elevados prejuízos para a TAP.

Depois a TAP foi usada para salvar o Grupo Espírito Santo, por via da aquisição da falida Portugália por 140 milhões.

Depois a Grounforce foi novamente privatizada, adquirida desta vez pelo Grupo Urbanos.

Depois avançou o segundo processo de privatização da TAP, que se arrastou por dois anos até ser cancelado na vigésima quinta hora por absoluta falta de garantias da compradora Avianca, entretanto falida.

Depois veio o terceiro processo de privatização da TAP. O suposto comprador seria o Grupo Barraqueiro, e o Governo PSD/CDS fingiu que acreditava para convencer a Comissão Europeia de que o controlo da companhia ficaria em mãos europeias. Só que o comprador era um tal David Neeleman, a quem a TAP foi vendida por um Governo ilegítimo, já demitido pelo povo em eleições.

Entretanto, a ANA foi oferecida à multinacional Vinci, que impôs à TAP aumentos brutais nos alugueres e nas taxas aeroportuárias.

Depois o Governo PS, invocando generosos propósitos de recuperar a TAP para a esfera pública, dada a sua importância estratégica para o país, limitou-se a negociar com o comprador a recuperação de 50% do capital, mantendo os privados a gestão da companhia.

Depois a ANA impôs à TAP a venda das Lojas Francas, que sempre haviam sido uma componente positiva do negócio da empresa.

Depois a gestão privada introduziu uma forte reestruturação na companhia, nas barbas do Estado que detinha 50% do capital, com opções de valor questionável para a TAP que sempre deixaram dúvidas se se destinavam a servir a TAP ou a Azul de Neeleman.

Contudo, no final de 2019 a TAP tinha uma situação económica equilibrada, sendo o maior exportador nacional, um forte criador de emprego direto e indireto e um forte contribuinte de impostos e descontos para a segurança social.

No início de 2020 a pandemia paralisou o sector aéreo a nível mundial. Todas as companhias aéreas, impedidas de obter receitas e com enormes despesas fixas, estavam condenadas a falir, a menos que fossem recapitalizadas pelos acionistas ou pelos Estados.

Os acionistas privados bateram em retirada, como sempre acontece em momentos difíceis. Havendo prejuízos, o Estado que os suporte.

Os corifeus portugueses da privatização, leia-se PSD e IL, defenderam o abandono da TAP à sua sorte, ou seja, a extinção, sem querer saber das regiões autónomas, das comunidades portuguesas ou da importância do nosso país como destino turístico. Quando a crise passasse, alguma companhia estrangeira apareceria por aí a ocupar o espaço deixado livre pela ausência da TAP e a faturar à custa do serviço público que o Estado Português tivesse de garantir e pagar.

Em vez de segurar a TAP, como fizeram outros países europeus relativamente às suas companhias de bandeira, o Governo PS entregou os destinos da companhia nas mãos da Comissão Europeia, que não esconde os seus propósitos de, em nome da liberalização e da concorrência, promover um processo de concentração monopolista do transporte aéreo à escala da UE. O que se seguiu foi uma reestruturação à moda da UE: instabilidade, despedimentos, redução de salários, ataque à contratação coletiva, redução da frota e das rotas.

Depois a SPDH foi colocada em insolvência, o Grupo Urbanos foi afastado da sua gestão, e teve início um terceiro processo de privatização da empresa.

O ponto em que estamos, é o do limiar do quarto processo de privatização da TAP, no âmbito do processo de reestruturação imposto por Bruxelas, no qual o Governo já admite a alienação da totalidade do capital social. Ou seja: depois do investimento que o Estado Português fez para garantir a sobrevivência de uma companhia aérea de bandeira, tendo em conta o reconhecimento da sua importância estratégica para o país, estamos afinal na iminência de ver o mesmo Governo oferecer a TAP por um preço muito inferior ao investimento feito pelo Estado Português para a salvar.

Se o inquérito parlamentar que aí vem se ficar pela averiguação de quem sabia ou deixava de saber das indemnizações, dos bónus ou das mordomias de administradores nomeados pelo Estado ou por privados, e não averiguar a fundo as responsabilidades pelas ruinosas opções tomadas por sucessivos Governos que tão gravemente lesaram o interesse nacional e comprometeram a sobrevivência da TAP, servirá afinal para bem pouco.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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