Opinião

Um panorama sombrio

Um panorama sombrio

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

O teor, autocongratulatório e, em simultâneo, desfasado da realidade, da mensagem de Natal de António Costa, deixou bem patente a sua indisponibilidade para reconhecer os erros e, muito menos, para os corrigir

Se há um objectivo que pode ser considerado como central na actuação do Estado, ele é, seguramente, o da promoção do bem-estar dos cidadãos.

Em causa estará, desde logo – embora não em exclusivo -, a sua capacidade para, de modo adequado, afectar bens de natureza económica, social e cultural à satisfação das necessidades colectivas e à melhoria da qualidade de vida das pessoas, com especial destaque, como é óbvio, para quantas se encontram em situação de maior vulnerabilidade.

Falhar em tal missão constitui, assim, a demonstração mais palpável – mas também mais dramática, pelas consequências que daí advêm – da incapacidade do Estado e, no seu âmbito, daqueles que governam.

Vale a pena, por isso, olhar com atenção para os números da pobreza em Portugal, porque é aí que, antes do mais, o sucesso ou insucesso daquela missão pode e deve ser aferido. E a sua crueza fala por si.

Segundo os elementos relativos a 2020, publicados pela Pordata por ocasião do Dia Internacional da Pobreza (17 de Outubro), sem os apoios sociais 4,4 milhões de pessoas são pobres ou têm rendimentos abaixo do limiar da pobreza, isto é, 554 euros mensais (numa população que, recorde-se, em pouco ultrapassa os 10 milhões). Sendo que, após essas transferências sociais, o número reduz-se, é certo, mas para apenas 1,9 milhões.

Ou seja, a pobreza atingia, após apoios, 18,4% da população. E, em matéria de risco de pobreza ou exclusão social, o valor apurado, de 43,7%, fez-nos recuar para os níveis de 2017.

Mas, se aumentou o número de pobres, o mesmo sucedeu com as famílias que tinham, no máximo, dez mil euros para gastar por ano, uma vez que, dos quase 5,5 milhões de agregados familiares que, então, apresentaram declaração de IRS, dois em cada cinco recebiam, aproximadamente, 833 euros mensais.

A isso acrescia o carácter particularmente dramático da situação dos pensionistas da segurança social, uma vez que 1,6 milhões recebiam uma pensão de velhice ou invalidez inferior ao salário mínimo nacional (que era, então, de 665 euros).

Na mesma altura, o Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza publicou o seu relatório “Pobreza e Exclusão Social em Portugal”. E, neste caso, já com dados relativos a 2021 no que toca a alguns dos indicadores. Não surpreendentemente, a tendência identificada é a mesma.

Face ao inquérito do ano anterior, a população em risco de pobreza ou exclusão social aumentou em 12%, correspondendo a mais 256 mil pessoas.

As desigualdades sociais registaram, também, um agravamento significativo. Assim, foi apurado um aumento de 5,8% do coeficiente de Gini (aquele que é, porventura, o mais conhecido indicador de desigualdade na distribuição dos rendimentos) e de 13% no indicador S80/S20 (que compara a proporção do rendimento recebido pelos 20% da população com maiores rendimentos e a parte do rendimento auferido pelos 20% da população com rendimentos mais baixos).

E também a vulnerabilidade dos mais idosos se apresentava como notória, pois 7,9% daqueles que tinham 65 ou mais anos encontravam-se em privação material e social severa, o que significa que, entre 2019 e 2021, se verificou um aumento de 33%.

Confrontados com estes números (e muitos mais poderia aqui deixar), a tentação de alguns será de dar a resposta fácil: a culpa foi da pandemia.

Obviamente que a pandemia deu um contributo importante. Mas, como explicação, o argumento é curto.

Com efeito, segundo a Pordata Portugal piorou a sua situação quando comparado com os demais vinte e seis Estados membros da União Europeia, ficando colocado no primeiro terço dos piores (8.º lugar), embora melhorando ligeiramente após as transferências sociais (10.º lugar).

Por seu lado, os indicadores do Observatório são ainda mais incisivos. Entre os vinte e sete, apenas a Eslováquia agravou mais o risco de pobreza e exclusão social do que nós. E, inexistindo dados sobre essa mesma Eslováquia no que toca às desigualdades, o nosso País foi aquele que demonstrou um maior incremento.

Dito de outra forma: se a pandemia acentuou os problemas, à ausência de políticas públicas adequadas deve ser assacada uma parte significativa das responsabilidades.

Ora, face à deterioração significativa de alguns índices que têm especial reflexo na pobreza e nas desigualdades, como é o caso da inflação, não custará admitir que, em 2022, o cenário só pode ter piorado.

O panorama que nos rodeia dificilmente poderia, assim, ser mais sombrio. Lá fora, uma guerra insana, levada a cabo por um autocrata sem escrúpulos. Cá dentro, um Governo que falha, em toda a linha, nas suas tarefas fundamentais e, desde logo, na protecção daqueles que mais precisam.

Pior do que isso, porém, é que, para 2023, o horizonte permanece carregado. Desde logo, porque o conflito na Ucrânia não parece ter um fim anunciado para breve. Mas também porque, para alterar o estado de coisas a que chegámos, seria indispensável mudar o rumo da governação.

E o teor, autocongratulatório e, em simultâneo, desfasado da realidade, da mensagem de Natal de António Costa, deixou bem patente a sua indisponibilidade para reconhecer os erros e, muito menos, para os corrigir.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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