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Opinião

O que a Hungria pode ensinar a Portugal sobre alterações climáticas?

O que a Hungria pode ensinar a Portugal sobre alterações climáticas?

Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na Nova SBE

Apesar dos cenários até 2050 para Portugal serem assoladores, continuamos apáticos. A esperança reside nos cientistas e nos jovens ativistas

Centenas de cientistas criaram plataformas visuais de projeção dos impactos do aumento da temperatura média da Terra. Estão amplamente disponíveis de forma gratuita: IPCC Interactive Atlas, NASA Climate Change Machine, Climate Central. Os cenários para Portugal são assustadores. Até 2050, o país poderá ser assolado por um conjunto de fenómenos de elevado impacto climático, como temperaturas extremas, diminuição da precipitação, aumento de clima propício a incêndios ou redução da velocidade do vento. Com as alterações nos níveis do mar, algumas cidades costeiras – como Espinho, Matosinhos, Vila do Conde, Barreiro, Aveiro – correm o risco de ser engolidas pela água salgada ou doce.

Mas estas projeções despertam em nós um encolher de ombros. Ou então uma certa vitimização ou desresponsabilização. “As cheias de Lisboa ou os fogos de Pedrógão Grande são resultado das alterações climáticas”, ouvimos de forma iterada de quem é, de facto, responsável por políticas de saneamento urbano ou de ordenamento do território.

A forma irracional como reagimos a uma adversidade, de proporções planetárias como as alterações climáticas, advém do facto da ação climática pressupor um sacrifício. Descarbonizar a nossa vida diária, pagar taxas de carbono, consumir menos carne implica um custo pessoal e o constrangimento de um hábito. O potencial benefício – a sobrevivência – não é imediato, urgente ou palpável, mas diluído no tempo.

Por isso eu reservo-me ao ceticismo sobre a capacidade de bilhões de seres humanos ou de governos de assumirem a frente do combate às alterações climáticas. Navegaremos sempre num rendilhado declaratório que não se traduz em mudanças sérias de comportamentos. Com sinceridade caro leitor, a sua vida mudou significativamente desde que, em 2015, 195 países assinaram o Acordo de Paris com o objetivo de conter o aumento do aquecimento global?

A exceção ao desânimo são os jovens ativistas pelo clima. Cada exclamação, mesmo que exagerada, é um alento e cada protesto, mesmo em desobediência, é um resquício de racionalidade. As manifestações de jovens têm a mesma marca de crença e de medo que teve a procissão que movimentou a cidade de Lisboa durante vários dias em janeiro de 1554, até ao muito ansiado nascimento de um herdeiro do trono português, filho de um príncipe de 15 anos entretanto morto e sobrinho de 8 pessoas também falecidas.

Mas, se em Portugal alguns destes jovens ativistas são criminalizados, na Hungria, país liderado por um autocrata, jovens entre os 13-25 anos são selecionados como “heróis do clima”. Nessa qualidade, mantém reuniões recorrentes com a Secretária de Estado Adjunta de Política Climática e a Ministra da Juventude. Além disso, os selecionados também visitam entidades públicas e empresas para conhecer atores-chave e fazerem ouvir a sua voz. O programa é liderado pela UNICEF e apoiado pelo governo.

Segundo Antónia Mészáros, a diretora executiva da UNICEF Hungria, “para desenvolvermos o programa realizámos uma sondagem com 1,000 jovens representativos da sociedade húngara. 90% disseram que se sentiam ansiosos face às alterações climáticas, 33% consideravam-se irritados, e 84% manifestaram interesse em aprender mais sobre este tema na escola. O programa acabou por ganhar atenção internacional e deverá ser reproduzido em outros países.” Em declarações à coluna, Antónia Mészáros reforçou que “se Portugal tiver interesse, a UNICEF Hungria poderá prestar todos os esclarecimentos e apoio técnico necessários.”

Se os jovens são a garantia do futuro, precisamos de garantias do presente. A solução reside na tecnologia. Serão os cientistas, os empreendedores, os criadores a produzirem as ferramentas necessárias para mitigarmos as alterações climáticas. Não necessariamente os governos. Aconteceu no passado e acontecerá novamente no futuro. Sem antibióticos e vacinas teríamos sido consumidos pela varíola, pela tuberculose ou pelo sarampo.

Semanalmente somos alvoraçados com novas conquistas científicas com potencial planetário. Só este mês, o Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, anunciou que conseguiu produzir mais energia de fusão do que a energia do próprio laser usado na experiência. A fusão nuclear é o “Santo Graal” da ciência, uma forma de energia limpa e inesgotável, permitindo que acabemos com os nossos problemas energéticos. Coincidentemente na mesma semana e de forma discreta, a Commonwealth Fusion Systems (CFS), startup de Boston, inaugurou a sua nova sede e fábrica. A CFS utiliza tecnologia de eletroimã supercondutor de alta temperatura para produzir energia por intermédio da fusão nuclear. Em 2025 espera conseguir torná-la comercialmente viável e, a partir de 2030, a empresa quer desenvolver uma central de fusão nuclear, chamada ARC, e começar a injetar energia na rede elétrica.

Também daqui a três semanas, a icónica sede em Washington da General Services Administration (GSA), a entidade estatal que gere a maioria dos edifícios públicos americanos, inaugurará uma instalação de larga escala de painéis solares orgânicos finos, colados como autocolantes às janelas, que produzirão a energia consumida pelos funcionários. Será a demonstração de que todas as partes de um edifício poderão ser produtoras de energia. Energia limpa poderá ser gerada a partir de qualquer superfície com exposição a luz natural ou não natural.

Entre os artigos que escrevi na imprensa nos últimos anos, os que se debruçaram sobre as alterações climáticas foram os menos lidos. Escasseia o entusiasmo (ou o meu talento para escrever) sobre o tema. Por isso, caro leitor, se chegou até aqui, agradeço-lhe o interesse e desejo-lhe um feliz 2023, com mais jovens e mais cientistas.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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