O modelo económico da União Europeia (UE) das últimas décadas era razoavelmente simples: aprofundar o mercado interno e desenvolver um mercado externo com a globalização. Mais recentemente, a Europa apostou em ser a primeira a desenvolver as indústrias da economia verde. O problema deste modelo, para os próximos anos, é que os seus pressupostos estão em causa. E as alternativas não são brilhantes para a Europa.
O mercado interno foi a ideia mais economicamente liberal da União Europeia. Tentar que seja possível produzir e vender (ou prestar serviços) em qualquer parte da Europa sem barreiras protecionistas ou vantagens que distorçam a concorrência entre empresas dos diferentes Estados membros. Obviamente, a execução não tem sido perfeita. E tem havido subsídios em barda, supostamente para aproximar as regiões menos alinhadas com a média. Mas, de um modo geral, a regra tem sido aquela.
Externamente, a Europa tentou tirar o maior partido possível da globalização, mas também pagou o preço associado. Para as economias mais industrializadas, desde logo a alemã, foi todo um mercado externo que se desenvolveu, gerando enormes lucros por vendas no exterior. Para os consumidores europeus, em geral, foi a possibilidade de comprar mais barato e, portanto, aceder a mais do que acederiam se a produção fosse mais próxima mas mais cara.
Nos últimos anos, sobretudo depois da chegada ao Berlaymont de Úrsula von der Leyen, a tese em Bruxelas era a de que a aceleração da transição verde permitiria aos europeus chegarem primeiro, e, portanto, em condições de liderança, às indústrias da economia verde. Das baterias ao hidrogénio, da renovação dos edifícios aos veículos elétricos, a pressão para reduzir as emissões de carbono era, também, uma pressão para investir em novas indústrias e nos seus produtos e serviços. De caminho, tentava-se encurtar a distância entre a Europa e o resto do mundo – leia-se Estados Unidos e China – na economia digital. O que aconteceu nos últimos tempos veio pôr em causa todo este processo.
A pressão para reverter a globalização, para proteger os “deixados para trás”, já lá estava. Nos Estados Unidos, Trump foi o primeiro a perceber o potencial destes eleitores ressentidos com a globalização. E a querer protegê-los tentando forçar um regresso das indústrias à América. Na Europa, o discurso sobre a reindustrialização também começou a fazer caminho. A questão tem sido saber como reindustrializar. Não basta dizer que se quer.
Desde o início do mandato que tinha ficado claro ao que vinha Thierry Breton. O Comissário francês acredita que a reindustrialização se faz com impulso público. Seja pela contratação pública, seja com regras que promovam as indústrias nacionais/europeias, seja com fundos que reforcem a capacidade de investimento dessas indústrias.
Se é necessário depender menos da produção chinesa, se é necessário conseguir competir com as empresas da China, se é para competir com os americanos, há que apoiar as empresas europeias. O que, segundo o novo mantra económico, implica proteger os mercados europeus e apoiar financeiramente as empresas da Europa. Tal como os americanos estão a fazer com as suas empresas, lançado mão dos subsídios mais protecionistas de há muito tempo. E sugerindo aos europeus que façam o mesmo, em vez de se queixarem.
Numa carta dirigida aos Chefes de Estado e de governo da União Europeia, reunidos a semana passada em Bruxelas, a presidente da Comissão Europeia partilhou a sua visão sobre o tema, que anda muito por aí e que, diz-se, é muito influenciada por Breton (que, vê-se, pensa muito como Macron).
Temos de “ajustar nossas regras de auxílios de Estado por alguns anos . . . para facilitar o investimento público”, disse. E reconhecendo que “nem todos os estados membros têm espaço fiscal para ajuda estatal”, defendeu que é necessário haver “financiamento europeu complementar para mover todos na mesma direção”. Ganha assim corpo a ideia de criação de um fundo soberano europeu para apoiar os governos nacionais nesse processo.
Tudo isto ainda é muito por alto. Sabe-se que os países mais ricos não olham com bons olhos para dívida europeia comum que sirva para ser gasta por todos, em vez de despesa nacional em função da capacidade de endividamento de cada um. Mas também se sabe que a enorme capacidade financeira da Alemanha assusta os restantes. Mesmo os que também são ricos. E mais ainda os que não são mas têm grandes economias, como França e Itália.
Nos próximos meses e anos vão se desenrolar duas discussões de máxima importância para a economia europeia e nacional. Como governar a zona Euro, que políticas orçamentais é que os Estados membros podem ter, quanto e como é que se podem endividar e investir. E como se vai subsidiar a economia europeia (as empresas e/ou os consumidores). Com que dinheiro, o quê e para quê?
A tentação em Portugal, fruto de uma longa dependência, é pedir por mais despesa pública. E esperar que seja paga pela União Europeia. O problema deste modelo é que não tem produzido muita riqueza nem reduzido a dependência. E além do mais, sabemo-lo, não temos os bolsos muito fundos. Não é, por isso, o que mais nos interessa. Mas é popular por cá.
Alternativamente, e sabendo que se vai manter a pressão para se usar dinheiro público e desacelerar o comércio internacional, convinha-nos termos uma opinião sobre de onde deve vir e para onde deve ir esse dinheiro. Se beneficiar a investigação e a inovação e se se permitir competitividade fiscal, temos mais hipóteses do que se financiar a compra do que já é europeu, produzido noutros lugares da Europa. Veremos que escolha fazemos. Ou não veremos, porque muitas vezes não temos essa discussão.
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes