Os cofres cheios do Estado
Que primeiro-ministro pode orgulhar-se de dar um apoio aos mais carenciados e o número de beneficiários ser superior a um milhão de famílias?
Chefe de Gabinete e membro do Conselho Nacional da IL
Que primeiro-ministro pode orgulhar-se de dar um apoio aos mais carenciados e o número de beneficiários ser superior a um milhão de famílias?
Estamos a viver um período negro, profundamente afetados pela inflação que abala o poder de compra dos portugueses e que nos faz fazer contas à vida de cada vez que vamos a um supermercado. Ao mesmo tempo que o preço de tudo aquilo de que precisamos para viver aumenta, o salário ao final do mês mantém-se praticamente inalterado e o resultado disso é evidente: menor poder de compra, mais famílias em dificuldade, mais pessoas carenciadas, mais pobreza.
Em simultâneo, o Estado tem beneficiado de forma injustificável desta conjuntura. Isto porque, na prática, com o aumento do custo de vida, está a arrecadar muito mais dinheiro com os impostos, nomeadamente com o IVA ou com os impostos sobre os combustíveis.
Por cada subida no preço de um produto, seja por força do aumento do custo das matérias-primas, seja por causa do aumento dos custos de produção ou de transporte, o Estado aumenta a receita que tem sobre esse produto através dos impostos. Os cofres do Estado ganham sempre, as famílias e as empresas perdem.
O primeiro-ministro demorou meses a reagir à situação, já os preços tinham subido vertiginosamente e já os portugueses estavam em fortes dificuldades. E só quando este aumento brutal de receita se tornou inquestionável e indisfarçável o primeiro-ministro e o seu Governo começaram as suas manobras, atribuindo aquele apoio extraordinário às famílias em outubro, os famosos 125 euros.
Esse pequeno montante deu jeito naquele mês a muitas pessoas em situações mais vulneráveis, mas não só não resolveu absolutamente nada como não deixou de ser uma pequena parcela de tudo aquilo que era devido às famílias, que já tinham desembolsado bem mais, até aí, só à conta do que lhes era cobrado em impostos.
Agora, António Costa veio anunciar mais um apoio, os 240 euros para os mais carenciados fazerem face ao aumento do custo de vida. Num país em que um apoio desta natureza abrange mais de um milhão de agregados, que são os beneficiários da tarifa social de energia ou de prestações mínimas, e onde existem mais de quatro milhões de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social - dois milhões dos quais mesmo após receberem apoios sociais -, talvez seja importante o Governo e o seu líder fazerem uma reflexão urgente.
Que primeiro-ministro pode orgulhar-se de dar um apoio aos mais carenciados e o número de beneficiários ser superior a um milhão de famílias? Que orgulho pode sobrar quando esse apoio é dado num momento de grande dificuldade para os portugueses, enquanto o Estado está a ter receitas adicionais gigantescas, por via de uma carga fiscal injustificável, também paga por esses beneficiários?
Por mais que estes apoios sejam úteis e tragam algum alívio, num determinado momento, às pessoas que a eles tenham acesso, tratam-se apenas de cuidados paliativos - jamais de um caminho para a cura. O problema, esse, é estrutural. Continua a ser premente e a tendência, infelizmente, é para se agravar.
Os apoios têm a sua utilidade momentânea, imediata, mas a situação que Portugal enfrenta exige mais que soluções temporárias. Exige coragem e reformas que perdurem. Havia uma forma óbvia para ajudar a fazer face a esta espiral inflacionista, aliviando os portugueses mas que António Costa e a sua equipa rejeitam aplicar. Bastava - e seria algo da mais elementar justiça - reduzir os impostos que estão a beneficiar diretamente os cofres do Estado por via da carestia de vida, em particular o IVA, que afeta a carteira de todos e penaliza mais severamente os que já são mais desfavorecidos.
No entanto, para este Governo, isso seria impensável. Os socialistas preferem ver os portugueses atirados para a miséria, sem perspectivas de salvação, mantendo a irredutibilidade sem sensibilidade social ou pudor, a baixar uma décima que seja a um qualquer imposto. Preocupam-se mais com brilharetes orçamentais, lucrando à conta da conjuntura macroeconómica e dos sacrifícios dos portugueses.
Este é, portanto, o retrato de um Estado que falha aos portugueses, com os cofres cada vez mais cheios à conta do calvário das famílias e das empresas. É a imagem que fica de um Governo incapaz e de um primeiro-ministro narcísico e prepotente, que recorre sempre a truques de propaganda para vender um país que só existe na sua cabeça. A ficção cor de rosa de António Costa choca de frente com este Portugal cinzento e empobrecido, em que todos perdem menos o Estado.
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