Opinião

As Causas. Camões revisitado

Um ser racional teria dado à Visão uma entrevista serena e pela positiva, não tiraria da cartola um bodo de 240 milhões de euros, antes o teria anunciado no Orçamento, não se queixaria de estar cansado, não diria que o único problema que teve em nove meses foi o despacho clandestino sobre a TAP de Pedro Nuno Santos, pois até ele [António Costa] sabe que isso não é verdade

“Erros meus, má fortuna, amor ardente/ em minha perdição se conjuraram”, cantou Luís de Camões.

Lembrei-me disso quando estava a preparar este texto, todo ele à volta de erros de António Costa, e também do seu homónimo Ministro da Educação e dirigentes sindicais, de ex-líderes e do atual líder do PSD, e até de um erro em que fui induzido quanto à percentagem de portugueses que subornam.

Mas, ao contrário do poeta, o que parece ter sobejado agora foi a “má fortuna” e o “amor ardente”, pois estão a bastar os “erros” somente.

ERROS DE ANTÓNIO COSTA

Nos últimos dias o Primeiro-Ministro cometeu mais erros e tomou medidas mais inesperadas do que vi em muitas semanas.

Os exemplos mais marcantes foram:

  1. O silêncio incompreensível sobre as inundações em Lisboa, cidade que governou entre 2007 e 2015;
  2. Uma inenarrável entrevista à Visão, na 5ª feira passada;
  3. Um desabafo contra Carlos Moedas em que comparou a inundação da sua garagem com as inundações em Lisboa no que ao dever de intervenção de responsáveis políticos se refere;
  4. A distribuição, de surpresa, de 240 euros a 1 milhão de famílias nas vésperas do Natal, um ato típico de um rei esmoler e demasiado parecido com o “bodo aos pobres” introduzido pela Rainha Santa, segundo a tradição.

Os erros, a gratuita agressividade, a arrogância, a propaganda descabelada e a ocultação ou recusa do que lhe tem corrido mal, tudo isso já foi escalpelizado por muitos e pouco poderia eu agora acrescentar.

O que acho útil é fazer um esforço para tentar perceber a razão deste comportamento – valha a verdade que cada vez mais recorrente – do mais competente, profissional e frio político português.

Admito que seja difícil entrar dentro da cabeça e do coração – para não falar do fígado – de António Costa. Mas vou tentar.

ANTÓNIO COSTA, O CANSADO?

A primeira hipótese explicativa foi avançada pelo próprio António Costa: está cansado.

Não me convence o argumento, por várias razões:

  1. Na famosa entrevista, disse exatamente o contrário, registando que três líderes de partidos de oposição é que se cansaram e enfatizou “eu ainda cá estou”;
  2. O tema do cansaço já surgiu há cinco anos, em novembro de 2017, quando reconheceu “cansaço”, mas que continuava “com ganas”;
  3. Em julho de 2022 um editorial do Público - um pouco laudatório, há que reconhecer – titulava “se o Governo está cansado há sempre Costa”, e acho que tinha alguma razão;

É verdade que quadros socialistas, como revelava o “Observador” no dia seguinte à entrevista, e alguns declararam on the record, acham que ele está cansado e talvez saibam melhor do que ninguém o que se passa com o líder deles.

Mas nada disso é novo. E um homem que há 40 anos vive o frenesim da política, sem parar, tem geneticamente ou ganha culturalmente uma “endurance” que o protege melhor do que ocorreria connosco, pobres e banais mortais.

ANTÓNIO COSTA, O ARROGANTE?

Uma outra explicação parece-me mais plausível: é a arrogância ou, como disse o seu ex(?) amigo Pedro Siza Vieira, “uma maneira de falar que me sugere aquela expressão grega, hubris. Aquela tentação, aquele sentimento de quem se sentia infalível e que punha em causa os deuses”.

Essa arrogância, essa brutalidade e violência, essa maneira de estar na política sem fazer reféns, é infelizmente uma caraterística antiga do nosso Primeiro-Ministro.

Dela já foi vítima Assunção Cristas, o que até levou algumas pessoas que o conhecem bem a dizer-me que há na alma de Costa uma tendência irresistível para a misoginia. Não sei se isto tem razão de ser, mas lembro a reação do CDS quando num momento particularmente violento acusou Cristas de o criticar devido à cor da pele.

Ou seja, ele sempre foi assim, tem um autocontrole e experiência que o protege, mas como dizem em França, “chassez le naturel, il revient au galop”, quando se reprimem as nossas caraterísticas elas acabam sempre por vir à superfície.

O que está a ocorrer é recorrente em António Costa. É verdade que a maioria absoluta exigiria ao menos um escravo para lhe ir dizendo com regularidade “memento mori” (“lembra-te que és mortal”), como acontecia com os generais romanos nos seus triunfos, mas parece que não há voluntários no PS para esse essencial papel, pois o imperador não acha graça.

Ele foi sempre assim, a sua plebe adora e os senadores socialistas que se vêm na televisão nos debates parlamentares aplaudem entusiasmados e sempre com sorrisos de orelha a orelha.

Não creio, por isso, que seja isto a causa dos novos problemas.

Assim como – com todo o respeito – parece-me sem sentido dizer que está assim por andar triste por não poder ir para a Europa daqui a dois anos.

ANTÓNIO COSTA, O ASSUSTADO?

Uma outra explicação é talvez mais provável. Pela primeira vez em 7 anos, António Costa pode estar com medo.

E há motivos para isso. O ano de 2023 pode revelar-se muito pior do que ele anuncia, existe sempre cansaço nos governados e desde tempos pré-históricos se culpam os líderes dos males que acontecem aos povos, como também se lhes atribuem sucessos que não merecem.

Um guerreiro não reage à previsível adversidade como as pessoas normais. Não se rende ou se deprime, antes aumenta a sua agressividade e procura arrasar os adversários (e às vezes os próprios aliados…) com violência, para se precaver de que lhe venham a fazer o mesmo. E se há guerreiro na política portuguesa é Costa.

A tese é simples: se para a opinião pública passar a mensagem de que são verdade os horrores (“guinchar” é apenas um exemplo) com que ele define todos os líderes da oposição – no que cada vez mais me faz lembrar Donald Trump, quando governou os EUA – é possível que se gere ou acentue a convicção de que apesar de todos os seus erros e defeitos, não há alternativa. Parafraseando Churchill, é preciso que achemos que ele é o pior líder, exceto todas as alternativas.

Esta insegurança, quando penetra no cérebro, no coração e no fígado dos que se habituaram a comunicar força e sucesso, é como a humidade fria em ossos de idoso. Dói muito e não passa com nada.

António Costa tem maioria absoluta para 4 anos, um partido tão domesticado que mete dó, um casamento feliz há 7 anos com o presidente da República, a Direita dividida como nunca, a esquerda radical tornada em berloques.

Por muito que venham aí problemas, tem todas condições para os ultrapassar.

Um ser racional teria dado à Visão uma entrevista serena e pela positiva, não tiraria da cartola um bodo de 240 milhões de euros, antes o teria anunciado no Orçamento, não se queixaria de estar cansado, não diria que o único problema que teve em 9 meses foi o despacho clandestino sobre a TAP de Pedro Nuno Santos, pois até ele sabe que isso não é verdade.

Mas a racionalidade é frágil e – voltando ao mundo clássico que Siza Vieira trouxe para a ribalta – “quos jupiter vult perdere dementat prius”, ou seja, “os deuses enlouquecem os que desejam destruir”.

Não sei se vem aí uma tragédia grega; mas dizem-me que os deuses são como os cães, “cheiram” o medo e por isso atacam.

Vamos a ver como isto evolui.

O AMOR SÁDICO NO ENSINO PÚBLICO

Quem afirma que não está cansado é o Ministro da Educação, contra quem se realizou uma enorme manifestação de professores, que não foi organizada pela FENPROF nem pela FNE, antes pela STOP que – imagine-se – é mais radical do que o sindicato da Intersindical. O STOP quer fazer uma greve durante todos os dias do mês de janeiro, por exemplo.

Para além de chamar mentirosos aos sindicalistas – o exemplo vem de cima… - Costa (João) anunciou que ia acabar com as deslocações de professores por todo o País para serem colocados nas escolas e aumentar os lugares nos quadros.

O problema destas e de outras promessas é que se lhe aplica aqui o que na passada semana eu disse a propósito das mudanças no SNS: se estas reformas são tão boas, que servem para tentar desmobilizar radicais, qual a razão para 7 anos após a tomada do poder pelo PS e António Costa ainda não terem sido feitas?

Bem podem, pois, João Costa e os sindicatos dizer que adoram o ensino público e realmente tudo andar a fazer há anos para estragar a vida ao ensino privado e social. O resultado é que os pais e avós continuarão a fazer todos os sacrifícios para que os seus filhos e netos saiam deste pesadelo.

No fundo, parece que amam o ensino público de uma forma que poderá parecer sádica, pois o que se vê é que se deleitam a infligir-lhe sofrimento.

AFINAL COMO VAI A CORRUPÇÃO?

Na passada semana recordei que o Presidente da Transparência Internacional Portugal deu uma entrevista ao Público onde revelou que no nosso País, segundo o “Barómetro Global da Corrupção”, uma em cada quatro pessoas fez subornos para ter acesso a um serviço público nos últimos doze meses”.

Um espetador atento e interessado, achou muito (como eu, e por isso o realcei) e descobriu que o relatório original refere que 3% (e não 25%) subornaram para ter acesso a serviços públicos.

Agradeço a informação e peço desculpa. Acreditei no Presidente da Transparência Internacional Portugal, Nuno Cunha Rolo (na foto do Público), e não devia ter confiado.

Mas há erros que nos dão alegrias!

O ELOGIO

É a José Luís Carneiro, Ministro da Administração Interna, pela forma como tem enfrentado e resolvido berbicachos que herdara do Ministro Cabrita e não só.

Numa atmosfera em que o governo parece muitas vezes preso por arames e que são causados semanalmente problemas à gestão política, sabe bem que de algum lado não venham más notícias.

Há uns meses disse que ele pode ser um outsider que ganhe a sucessão de António Costa… a não ser que eu dizer isso provoque uma noite de facas longas dos spin doctors que trabalham para os outros…

LER É O MELHOR REMÉDIO

Dois livros que fazem um retrato de Portugal.

Do Professor João Paulo Oliveira e Costa, “Portugal na História – Uma Identidade” (Círculo dos Leitores).

E do Professor Luis Filipe Thomaz, “A Expansão Portuguesa” – Um prisma com muitas faces” (Gradiva).

A História de qualquer povo é feita de contrastes, como revela a bela capa do segundo livro. Infelizmente da História fazem parte massacres, com os quais não pode haver tolerância.

Mas também não é admissível que com essa constatação se conclua de modo simplista e errado que chegou ao fim o chamado “lusotropicalismo”, aquilo que Portugal foi capaz de fazer e de que temos orgulho.

Leiam estas duas obras essenciais que vão aprender melhor coisas essenciais.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Uma das coisas que mais fascina na alma humana é a tendência para cometer erros desnecessários. Sei do que falo, mas ao menos não sou candidato a coisa nenhuma.

Há duas semanas, Cavaco Silva e Passos Coelho, vieram a terreiro com posições radicais sobre a eutanásia, sendo que o último o fez dias depois de Luís Montenegro, talvez por causa destas intervenções de antecessores, ter tirado da cartola a tese do referendo.

Os antigos Primeiro-Ministro têm todo o direito de dizer o que pensam, mesmo que isso não ajude o sucessor que enfaticamente apoiaram.

E Luís Montenegro tem todo o direito de reagir de imediato dizendo, e cito, Discordo completamente da posição do Dr. Pedro Passos Coelho [sobre a eutanásia]. Discordo pelo facto de ele discordar da realização de um referendo sobre esta matéria. Discordo porque a posição dele é muito fechada”.

A pergunta é, por isso: que se passa ao mais alto nível no PSD? Será que se deve aplicar aí a velha máxima “Deus me livre dos meus amigos, que com os inimigos posso eu bem”?

A LOUCURA MANSA

No passado domingo, com exceção do guarda redes Hugo Loris, todos os jogadores da equipa de França, que fizeram levar a final do campeonato do Mundo jogo para prolongamento, eram de famílias que vieram para França à procura de um futuro melhor.

Perante isso, o jornalista e político de extrema-direita, Éric Zemmour (ele próprio filho de judeus berberes que imigraram para França), mostrou-se chocado. Pelo meu lado, pelo contrário, acho isto um fator muito relevante de assimilação.

E Portugal deve ter isso presente e preparar-se para esta realidade. Os dados demográficos recentes confirmam que 14% dos bebés que nasceram entre nós são filhos de estrangeiros, percentagem muito superior à estrutura da população residente.

Sem imigração estaríamos a perder ainda mais população, a caminho de sermos menos de 7 milhões em 2050 e pura simplesmente não conseguiremos sustentar o Estado Social. Precisamos de imigrantes e para isso temos de os receber bem e com otimismo. Sobretudo evitar a loucura radical de França.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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