Opinião

As Causas. Isto não é o Ford T pintado de preto

Foi a COVID, a Guerra na Ucrânia, o Mundial de Futebol, agora as cheias.

Tal como estão as coisas, há sempre um tema que ocupa as televisões, como se fosse o único prato no restaurante.

O Sr. Henry Ford também achava que todos queriam um Ford T pintado de preto.

Posso estar errado, mas os cidadãos consumidores de televisão gostam de mais variedade.

Ou, pelo menos, eu gostava que assim fosse.

Vamos então a isso.

O DILÚVIO: AS DUAS CAUSAS

O dilúvio que se abateu sobre a região de Lisboa, na passada semana e repetido ontem de madrugada, serviu de mote para um debate, pelo menos curioso:

Para uns, estas brutais precipitações concentradas são sinal das alterações climáticas em curso; para outros, não são mais do que a repetição de um padrão secular de 5 a 7 anos de seca seguidos de 5 a 7 anos de chuvas.

Deixo, como é evidente, o debate para os especialistas, que como é normal nunca se entenderão completamente.

Sou um cidadão comum que ao longo da vida estive sempre atento ao que me disseram, li ou ouvi nas mais variadas áreas.

Essa tendência cresceu em mim por causa de ser advogado ou fez de mim advogado, pois para defender uma causa é preciso estudar a fundo tudo o que nela não é jurídico.

Por isso, com esse vago estatuto de cidadão, julgo poder intervir no debate. E a minha opinião – sustentada em conversas ao longo de anos com quem sabe - é tão óbvia que, com perdão de todos, não pode deixar de ser simples:

É um facto que existe um padrão secular nesta região para sucessão de ciclos pluviométricos deste tipo.

Ainda me lembro de há muitos anos um Governo ter criado um grupo de trabalho para enfrentar os problemas de anos seguidos de seca – seguramente para que se dissesse que estavam a esforçar-se – e por acasos da meteorologia (ou pelo atraso do governo e pela mudança de ciclo meteorológico) quando surgiu no “Diário da República” a nomeação do grupo de trabalho, Portugal estava inundado por todo lado.

Mas é também um facto que o que tende a definir a nova fase climática em processo, não é tanto que tudo fique mais quente, mas os fenómenos extremos.

O aquecimento global estatisticamente está em curso, mas nalgumas zonas – designadamente por alterações na Corrente do Golfo (que arrefece a América do Norte e aquece a Europa Ocidental, como se pode ver no gráfico que surge nos vossos ecrãs) – a evolução pode ser um forte arrefecimento em sítios antes temperados.

A grande e mais visível mudança é a acentuação dos fenómenos extremos e – infelizmente para nós – sobretudo em zonas costeiras.

E o que aconteceu no dia 7 de dezembro foi extremo: em Lisboa atingiu-se numa hora (entre as 22h40 e as 23h40, segundo revelou o “Expresso”) 47,8 milímetros de precipitação, e em 6 horas chegou a 77mm, ambos os casos sendo um recorde desde que há registos na estação que mediu.

A brutalidade é mais clara se referirmos que a precipitação média anual em Lisboa é de 590 mm, o que significa que numa hora choveu 8% do total anual médio e em 6 horas, mais de 13%.

E das 9h do dia 12 às 9h do dia 13, ontem, atingiram-se valores ainda mais elevados, 120,3 mm em 24 horas (cerca de 20% da precipitação média anual) o que nunca ocorrera desde que há registos.

Mas também é verdade que nos últimos 80 anos do século XX se registaram 420 dias de inundações relevantes em Lisboa e que em 1967 choveu em Monte Estoril mais de 110 mm em 5 horas.

Claro que não podemos provar em relação ao futuro que isto seja uma tendência ou um fenómeno “outlier” (como no passado). Mas a probabilidade de ser uma tendência é muito forte.

Ou seja, as duas explicações são compatíveis e interagem:

  1. sim, a forte pluviosidade é um fenómeno cíclico secular e as inundações são potenciadas por disparates urbanísticos de muitas décadas e falta de investimento planeado há muitos anos;
  2. sim, o que aconteceu na passada 3ª feira, foi extremado pela mudança climática em curso.

E isso tem importância política, pois cada uma das teses foi, mais ou menos conscientemente, usada para finalidades de combate político-ideológico:

  1. Se tudo é cíclico, é mera ideologia referir as mudanças climáticas;
  2. Se tudo é fenómeno extremo, a culpa das inundações não é de quem nos governou ao longo dos anos.

E essa polarização, além de errada é perigosa para quem aqui vive. Este é, afinal, mais um exemplo de que as posições radicais e extremas não servem.

OS PORTUGUESES SÃO CULTURALMENTE CORRUPTOS?

O Presidente da Transparência Internacional Portugal deu uma entrevista ao Público onde revelou que no nosso País, segundo o “Barómetro Global da Corrupção”, uma em cada quatro pessoas fez subornos para ter acesso a um serviço público nos últimos doze meses”.

Apesar disso, declara que, em sua opinião, os portugueses (incluindo os 25% que fizeram subornos), não são “culturalmente corruptos” e que a culpa do problema é da “falta de vontade política”.

É espantosa esta atitude da parte de quem deveria arriscar ser rigoroso e corajoso.

Ou seja:

  1. 2,5 milhões de portugueses pagam subornos num ano “para ter acesso a um serviço público”;
  2. Há em Portugal cerca de 750 000 funcionários públicos;
  3. Se todos fossem corruptos cada um teria beneficiado de mais de 3 subornos num ano;
  4. Felizmente tenho a firme convicção de que a forte maioria não o são, mas se por exemplo 15% tiverem aceitado subornos temos ainda assim mais de 100 000 funcionários públicos corruptos;
  5. Como é evidente estes dados revelam que infelizmente Portugal é um país que não só tolera, como esmagadoramente pratica, e de ambos os lados do “guichet”, o suborno e a corrupção.

A teoria de que isto ocorre por falta de “vontade política” de enfrentar a corrupção é, na melhor das hipóteses, uma falácia: os decisores políticos estão de ambos os lados, como titulares de funções públicas e como consumidores.

Aplicando-lhes o modelo, 25% dos dirigentes políticos são subornadores e 10% deles são subornados, o que sinceramente me parece excessivo, mas serve para desmontar a falácia, segundo a qual “nós” não subornamos, mas “eles” são subornados.

Devemos falar claro: estes dados revelam que não há uma censura social em relação à corrupção.

A censura só se revela – e então não pelas melhores razões - quando há a sensação de que se está perante elites, privilegiados ou altos quadros políticos (desde que não sejam do partido que apoiamos), pois esses não terão desculpa e devem ser atados ao pelourinho.

Entra pelos olhos dentro que esta atmosfera miasmática se não resolve com “vontade política”.

A solução é outra, e há décadas que a venho propondo, sem qualquer sucesso, reconheço.

A luta contra a corrupção e o suborno deve ser orientada para uma mudança cultural de 180º, com base na realidade: se todos os funcionários públicos fossem incorruptiveis e insubornáveis, a corrupção acabaria.

Mas, segundo o Código Penal, o privado é legalmente corruptor “ativo” e o funcionário “passivo” e, até, pode safar-se por ser “vítima de pressão irresistível”. Como diria um anglo-saxónico, “the name is a program”.

É verdade que a medida da pena é maior para o “passivo”, mas a realidade é que muita da corrupção é desejada ou forçada pelo alegadamente corrompido, que então é o verdadeiro corruptor.

O problema é outro. Na prática, mesmo com elementos de prova que permitiriam a punição disciplinar, o funcionário público mantém-se em funções aguardando que seja pronunciado ou condenado, como se a censura ético-jurídica disciplinar se subsumisse na censura penal.

Isso não é verdade e nada impede em teoria – ainda que clarificando a lei - que os processos sigam em paralelo e que se venha a provar o ilícito administrativo mesmo que se não consiga provar o ilícito penal. E seria possível que o processo disciplinar – assegurando evidentemente as garantias de defesa – fosse simplificado e tornado expedito.

Se isso fosse feito e se fosse tipificada a sanção mais grave para factos deste tipo, se numa palavra se focasse e luta contra a corrupção e o suborno/pagamento indevido de vantagens em quem recebe mais do que em quem paga, não tenho dúvidas que a consciência social mudaria.

E seria muito bom se víssemos os sindicatos da função pública na primeira linha desta luta, percebendo que a injusta sensação generalizada de que todos e cada um são corruptíveis ou subornáveis não é merecida pela grande maioria e que, por isso, separar o trigo do joio deveria ser a prioridade.

O SNS À BEIRA DO ABISMO

A Saúde, como em todos os Invernos, está na ordem do dia: o Presidente vai correr as urgências para suscitar mais debate, tomou posse o CEO do SNS, Professor Fernando Araújo, e na posse ficou claro que a posição do Governo mudou e que se pretende uma alteração profunda da gestão do sistema e não apenas lançar dinheiro para cima dos problemas.

Tudo boas e urgentes notícias, não apenas pelas tragédias que os atrasos causam (veja-se a mortalidade pelo cancro), mas até pela sensação de que esta talvez seja a última oportunidade de reformar o SNS antes da sua implosão.

Mas não deixa de ser curioso que assim seja: então o Governo Costa demorou 7 anos a perceber? E a incensada Ministra Marta Temido afinal foi um fracasso?

É que o dilema é complicado, e existe:

  1. Ou Araújo consegue vencer, e assim demonstra que as reformas eram possíveis e que perdemos pelo menos 7 anos para as concretizar;
  2. Ou Araújo não consegue, e então o SNS não tem solução e tudo tem de ser alterado de alto a baixo, o que seria uma revolução.

O pior será optar por uma ilusão, tão típica dos povos do Sul da Europa (como já dissera o Príncipe de Salina), de que é preciso que tudo pareça mudar para que tudo fique na mesma. Creio que isso, felizmente, desta vez não vai funcionar.

O ELOGIO

O elogio desta vez vem com uma crítica. O Reino de Marrocos merece elogio por arranjar bilhetes de avião ao preço especial de 45 euros para os milhares que quisessem ir ao Catar apoiar a seleção no jogo contra Portugal, como vimos e bem se notou.

Em contrapartida, Portugal foi o país que mais dirigentes políticos enviou ao Catar e todos terão ido em “Falcon”, sendo certo que cada viagem, segundo refere o “Sol”, custa 70 000 euros.

LER É O MELHOR REMÉDIO

O romance premiado pela Academia Francesa, “O Mago do Kremlin”, de Giulano da Empoli, e editado por Guilherme Valente na sua Gradiva.

Em tempos que Putin vai marcando pelas piores razões, este livro (que é também uma obra de recapitulação histórica) merece ser lido pois também ajuda a perceber melhor o universo interno do poder russo.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

Um casal jovem com filhos sentiu na pele o que eu referi na passada semana sobre a recusa em fornecer manuais gratuitos em escolas privadas e contou-me outra história de estarrecer.

Devido a alguma pressão social e, sobretudo, porque não tinha outra forma de afirmar que iria cumprir a promessa eleitoral de educação pré-escolar gratuita para todos, o Governo veio admitir que a partir de janeiro de 2023 também no ensino privado a gratuidade fosse possível, seguramente através de contratos-programa para os mais necessitados.

Só que, a 15 dias da data, ainda nada se sabe e apenas parece que a regra será admitir, mas em cada caso apenas enquanto o ensino pré-primário público não tenha vagas.

Ora, sendo assim, nenhuma escola privada vai organizar mais turmas, contratar pessoas e espaço, correndo o risco de passado um ano ser retirado o apoio a quem necessita e a escola ficar com os custos e sem alunos.

No caso concreto, há um filho com 6 meses para que esta família não encontra vaga em escola nenhuma na sua área de residência.

A primeira pergunta é simples: isto é verdade? A segunda, e porque infelizmente parece que é: será que esta opção ideológica contra a escola privada (em programas que ficariam mais baratos para o Estado) não provoca revolta? Ou eu estou tão surdo que não ouço?

A LOUCURA MANSA

Por vezes as maiores loucuras surgem em situações que infelizmente já se consideram normais.

Há dois dias, os Presidentes de Câmara de Setúbal, Palmela e Sesimbra foram ao Ministério da Saúde porque ninguém lhes respondeu a uma carta enviada há uma semana pedindo uma reunião urgente com o Ministro. Saíram de lá com a reunião marcada para o dia 20, ou seja, daqui a uma semana.

Qual é a loucura? São várias:

  1. Que no século XXI se peça uma audiência por carta e não por mail;
  2. Que, ao chegar o pedido, no gabinete do Ministro não haja ninguém que telefone de imediato a alguém no gabinete da Câmara de Setúbal para que – com as agendas na mão – marquem a reunião ou para que seja dito que o Ministro não recebe os presidentes;
  3. Que três presidentes percam uma manhã de trabalho e aproveitem para fazer um número político de darem uma entrevista a revelar isto tudo;
  4. Que se esteja assim a incentivar uma moda que vai levar 308 presidentes de câmara a fazer romarias no futuro para tudo quanto é ministério, porque a loucura parece que resulta.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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