Foi-se o Mundial e a dignidade
Neste Mundial, os dirigentes políticos do país fizeram-nos perder muito mais: a dignidade e o respeito pelas instituições
Chefe de Gabinete e membro do Conselho Nacional da IL
Neste Mundial, os dirigentes políticos do país fizeram-nos perder muito mais: a dignidade e o respeito pelas instituições
No sábado, a seleção nacional perdeu e Portugal foi eliminado do mundial de 2022. O sentimento geral é de tristeza, mas não foi só a hipótese de ir mais além na competição que o país perdeu. Neste Mundial, os dirigentes políticos do país fizeram-nos perder muito mais: a dignidade e o respeito pelas instituições.
A infantilidade do Presidente da República, do presidente da Assembleia da República e do primeiro-ministro ao longo de todo este campeonato mostrou que a tríade de representação política nacional não consegue exercer com sobriedade as suas funções. Os homens que ocupam estes lugares não conseguem separar as suas responsabilidades institucionais das suas emoções enquanto adeptos de futebol.
Num momento crítico, em que temos no nosso país problemas concretos a agravarem-se de dia para dia, face a um evento marcado por sucessivos desrespeitos aos direitos humanos e envolto em temas de corrupção, num país que não é democrático, os nossos representantes políticos fizeram questão de marcar presença em peso para assistir ao mundial à conta do dinheiro dos contribuintes e à sombra de uma suposta representação nacional. Fomos o país que teve maior representação política no Qatar, o que diz muito sobre Portugal.
O peso político dessa representação dá sinais claros: qualquer uma das figuras desta tríade, ao ir assistir a jogos de futebol em representação do Estado português, com o respetivo peso institucional, está a legitimar o que se passa num país onde existe uma monarquia absoluta em que poder e propriedade pertencem a uma só família.
E como justificaram os nossos mais altos dignitários a sua ida ao Qatar? De forma bacoca e provinciana.
Marcelo Rebelo de Sousa teve intervenções verdadeiramente lamentáveis. Quando confrontado com os desrespeitos aos direitos humanos praticados no Qatar, chutou para canto, dizendo que devíamos concentrar-nos na equipa. Surreal.
António Costa foi ao Qatar em nome da “tradição”. Como sempre houve representação política nas competições deste género, o chefe do Governo tinha de ir assistir aos jogos porque era da praxis, mesmo que as circunstâncias em torno da prova fossem diferentes e não existisse um intricado quadro político e social a ser considerado e a desaconselhar a deslocação.
Augusto Santos Silva justificou a ida alegando que queria dar força aos portugueses que foram ao Qatar para apoiar a seleção. Já não bastava ter lá estado o Presidente da República e o primeiro-ministro; o presidente da casa da democracia foi a um país não democrático dar apoio, pasmem-se, aos adeptos.
Enquanto tudo isto ia sucedendo, o avião que é suposto transportar os representantes do Estado em viagens oficiais estava reservado para que a nossa tríade fosse assistir a jogos de futebol no Qatar. Adiaram-se outras visitas de Estado, gastou-se dinheiro dos contribuintes - e não foi pouco -, numa altura em que as prioridades deveriam estar alinhadas com a real situação do país.
Mostrámos, mais uma vez, o quão pequenos conseguimos ser em momentos que exigiam outra dimensão. Infelizmente, não se trata de futebol.
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