Augusto Santos Silva atirou-se aos defensores do alargamento do direito de voto aos maiores de 16 anos, caracterizando a proposta como “palavreado paternalista”. Assim falou o Presidente do Parlamento, supostamente traduzindo a intenção dos proponentes “ai eles não votam, coitadinhos, vamos baixar a idade da votação para ver se votam mais, vamos permitir o voto eletrónico para ver se votam mais porque não têm de sair do computador”. Ao contrário do que pensará Santos Silva, o voto aos 16 anos não serve para os "paizinhos" tratarem de diminuir a abstenção dos “coitadinhos” dos jovens. Serve para que a opinião de alguém de 16 anos valha exatamente o mesmo que a de Santos Silva, no que à escolha do poder político eleito diz respeito. E isso seria um ganho para o país.
Equilíbrio entre direitos e deveres.
Se aos 16 anos podemos trabalhar e pagar impostos, se podemos ser responsabilizados criminalmente e mobilizados em caso de guerra, por que não havemos de ter a correspondente voz e o poder real do voto na escolha de quem faz as leis perante as quais respondemos, de quem decide o destino dos nossos impostos ou a entrada do país num conflito militar para o qual podemos ser chamados?
Se a fasquia dos 16 serve para todos estes deveres, por que não deveria ser adotada também para definir o direito de voto? Mas vale a pena ir mais longe sobre a visão da juventude que resulta da diatribe de Santos Silva. As crianças e os jovens não são apenas o futuro. São o presente e já têm afirmado a sua condição de cidadãos. Greta Thunberg e o movimento das greves pelo clima, por exemplo, deram uma bela lição política ao mundo dos adultos. Eles sim, desafiaram o paternalismo larvar que se mostrou tão incomodado pelo facto de ser uma jovem – aliás, milhões de jovens e de crianças – a destapar o absurdo do mundo em que vivemos e a expôr o colapso climático causado pelo capitalismo. Ainda bem que perturbam e acossam o cinismo da realpolitik e do conformismo produtivista, que interrompem o regular funcionamento da ordem das coisas, como fizeram recentemente quando ocuparam algumas escolas em Lisboa.
Que, na sua diversidade interna, as visões dos jovens sobre o mundo sejam diferentes da de gerações mais velhas, é normal. Nós precisamos dessa diversidade. O direito ao voto não é uma concessão dos mais velhos para a socialização dos jovens na política que existe, mas um possível instrumento dos jovens para condicionarem e para transformarem essa política que existe.
A questão põe-se muito para além do voto, aliás. Os jovens devem ter poder de decidir sobre como se organiza a sua vida e as instituições em que participam. Devem estar na gestão democrática das escolas, da qual foram afastados (e das faculdades, onde o seu poder foi reduzido e a sua participação miniaturizada, inclusive por governos de que Santos Silva fez parte). Devem poder decidir sobre a gestão do país. Devem ter capacidade de fazer valer as suas reivindicações.
Uma experiência muito experimentada
A questão do voto aos 16 não seria sequer uma inovação nacional. Na Europa, existe na Áustria, em Malta, na Irlanda, na Escócia, no País de Gales e na Bélgica. Fora da Europa, a Argentina, o Equador, Cuba, Nicarágua e o Brasil também o permitem. Em Portugal, o voto aos 16 já teve adeptos em quase todos os partidos. Guterres, quando governou, tinha até assumido um compromisso em promover o debate sobre essa decisão. Ficou pelo caminho. Avançará agora?
A ideia de que uma pessoa de 16 anos deve ser tratada como cidadã pelo fisco, pelo patrão e pelas forças armadas, mas que não o seja aos olhos da democracia é, essa sim, de um insuportável paternalismo. Condenável é que seja o presidente do Parlamento a querer reinterpretar desta forma o papel do pai tirano.
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