Em entrevistas exclusivas, dois reconhecidos especialistas internacionais em trabalho remoto discutem boas práticas de atração e retenção de nómadas digitais. Portugal não tem acertado
A criação do novo visto para nómadas digitais em Portugal é uma inevitabilidade política para responder a uma inevitabilidade económica. A digitalização e a globalização estão a transformar radicalmente a forma como trabalhamos. E cerca de 50 milhões de pessoas qualificadas trabalham em regime de nomadismo profissional, desafiando modelos tradicionais de organização social. Para atraí-los, mais de meia centena de países já dispõem de vistos específicos e Portugal não poderia ficar para trás.
Mas ainda que a primeira premissa esteja correta, o silogismo tornou-se imperfeito. O novo visto português para nómadas digitais é um impulso bem-intencionado baseado em intuição. Não é uma política pública. É uma resolução imediatista que não se insere num esforço estratégico nacional. É um palpite afirmar que nómadas digitais contribuem para “dar um impulso à economia” e “criar melhores condições para todos nós portugueses” como argumentou a representante do governo que anunciou o programa na Web Summit.
Intuitivamente sabemos que os novos residentes contribuem para a microeconomia local porque têm de se alimentar, viver e vestir. Há também um acréscimo das receitas obtidas por via da tributação indireta. A sua chegada leva ainda ao crescimento proporcional de infraestruturas de apoio como espaços de co-working e co-living. Mas, na direção oposta, podemos também especular que os novos residentes, porque têm maior poder aquisitivo do que a população local, poderão contribuir para a gentrificação e o inchaço do custo de vida, principalmente da restauração e da habitação.
Esta coluna de opinião entrevistou dois reconhecidos especialistas em mobilidade, trabalho remoto e nomadismo profissional. Raj Choudhury da Universidade de Harvard e Olga Hannonen da Universidade da Finlândia Oriental. Ambos salientam que ainda não há estudos que calculem quantitativamente as vantagens e desvantagens do nomadismo digital para a economia do país recetor. Ainda não nasceu um consenso técnico sobre o valor agregado. O governo não pode afirmar taxativamente, como tem feito, que os nómadas digitais são benéficos para a economia portuguesa.
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