Opinião

As Causas. Há mais vida para além do futebol?

António Costa não é perfeito e cometeu um erro tático. Quando obteve a maioria absoluta, e com isso passou a reinar sobre o PS como um Deus, um Rei e um chefe militar, ao mesmo tempo, não quis ou não percebeu que deveria fazer uma grande remodelação, que trouxesse gente menos cansada, menos fragilizada, menos vazia

Em tempos de Campeonato do Mundo, como falar de outras coisas? Falando.

E porque motivo falar de outras coisas? Porque é muito importante.

E alguém ouve? Pois não sei, mas espero que sim.

ANTÓNIO COSTA: PARA QUÊ MUDAR?

O Primeiro-Ministro fez uma remodelação.

As oposições cumpriram o seu papel, com adjetivos, realçando que após a posse do governo de maioria absoluta há poucos meses só se sucederam trapalhadas, e também que esta remodelação foi feita para deixar tudo na mesma.

Admira-me a surpresa, embora não recuse o que de comentário político existe no que ouvi ou li dos opositores e comentadores que lhes são próximos.

No entanto, e vamos ao que importa, se há crítica que é injusto fazer a Costa é que ele não navega ao sabor do vento, não muda sempre que lhe convém e sem estados de alma, que não deixa cair amigos fiéis se e quando seja útil ou necessário.

E também é injusto dizer que não mudou desde que inventou a “geringonça” como tábua de salvação, e com ela teve artes de reduzir os radicais de Esquerda à irrelevância que vemos agora, apesar da ajuda mais ou menos interessada dos media e do desproporcionado tempo de antena que deles recebem.

No que muitos se equivocam é em pensar que António Costa vai querer mudar a linha estratégica do seu Governo, por causa de ter agora maioria absoluta.

Realmente, a sua linha estratégica é de tornar o PS num partido de Esquerda, sem os equívocos que existiram com todos os líderes socialistas que o antecederam.

Para isso fez a “geringonça” e também para isso deu cabo dela quando percebeu que a Esquerda radical queria mais do que um governo de Esquerda, queria colonizá-lo totalmente, como se fossem os gregos destes romanos. Sendo assim, para quê mudar?

E se há menos de um ano alcançou a maioria absoluta com essa linha estratégica, e com ela conseguiu desbaratar o BE e o PCP e torná-los em meros partidos de protesto, que apenas incomodam nas televisões e nas greves, para quê mudar?

Além de que com a COVID e depois com a crise social da inflação e da perda de poder de compra se tornou generalizada na Europa uma linha estratégica de comprar a paz social com subsídios e outras medidas que reforçam o papel do Estado, como se não houvesse amanhã, o que coincide com a sua visão da organização da sociedade. Para quê mudar?

OS PROBLEMAS DE COSTA

Há, no entanto, um problema. Mas é outro.

António Costa não é perfeito e cometeu um erro tático. Quando obteve a maioria absoluta, e com isso passou a reinar sobre o PS como um Deus, um Rei e um chefe militar, ao mesmo tempo, não quis ou não percebeu que deveria fazer uma grande remodelação, que trouxesse gente menos cansada, menos fragilizada, menos vazia.

No fundo, aplicou uma das piores regras do futebol, a que reza que “em equipa que ganha não se mexe”. Quando se ganha, as coisas mudam; e as equipas para ganhar não são as mesmas adequadas para manter ou explorar as vitórias, mesmo quando – o que muito acontece – não ficam esgotadas pelo esforço e embriaguez do sucesso.

Muitas das complicações nascem desse erro. E há mais outro problema.

Costa foi sempre, ao longo da sua já muito longa vida política, um homem do aparelho do PS.

Por isso tende a sobrevalorizar quem tenha sucesso nesse universo fechado e concentracionário, típico dos partidos institucionalizados, que pouco ou nada tem a ver com o país.

Essa a causa de que as suas escolhas sejam como regra inadequadas, quando já nem sequer precisa deles para controlar o aparelho, que o seguiria cegamente, mesmo sem isso. O exemplo de Miguel Alves é o caso mais óbvio.

E, finalmente, tem outro problema, mas para esse não há solução: ao fim de 7 anos de liderança governamental, com equipas sem luz própria e de qualidade muito discutível como regra, tem-se exposto para além do razoável, gera mais anticorpos e, pior, está cada vez mais cansado de forma muito visível.

Temo que uma atmosfera miasmática e um terreno pantanoso tudo invada, sem fim à vista.

PS: PRECONCEITOS OU IDEOLOGIA?

É neste contexto que se devem analisar algumas notícias que têm sido objeto de crítica ao Governo, ao PS e a outros partidos de esquerda.

Essas críticas vêm também de comentadores insuspeitos de ligações a setores de Direita ou mais conservadores.

Seleciono dois exemplos:

  1. um editorial de Manuel Carvalho, no “Público”, sobre a recusa de fornecer manuais gratuitos aos estudantes de escolas privadas ou de economia social, e
  2. um comentário de Ana Sá Lopes, no mesmo jornal, sobre a oposição do PS a uma medida de Carlos Moedas para que jovens até 35 anos possam comprar casas com preço até 250 000 euros com isenção de IMI.

A estes dois exemplos pode juntar-se a recusa do Governo e da Esquerda em reduzir o IRS para pessoas que ganham à volta de 1000 euros por mês, os chamados “mileuristas”, antes se optando por alternativas de subsidiação de todos ou alguns desses.

As críticas que surgem, de forma implícita, sugerem que são opções que significam preconceitos:

  1. contra a escola que não seja pública,
  2. contra a propriedade privada de imóveis (e a favor de subsídios ao arrendamento),
  3. contra a liberdade de cada pessoa aplicar os seus recursos como prefira ou lhe convenha (e a favor de subsídios destinados a certas finalidades).

Como é evidente, sendo considerados preconceituosos esses comportamentos, a proposta que surge é que sejam evitados e afastados.

Ora, estando de acordo com as críticas e louvando os que as fazem, discordo do sentido da abordagem do tema.

É que estas medidas não são preconceituosas (no sentido de serem censuráveis por falta de racionalidade), mas são ideologicamente coerentes.

Ou seja, estas posições são lógicas e consistentes. Correspondem a um pensamento ideológico da Esquerda portuguesa, como o é a tendência para recusar o paralelismo na censura ética e na análise histórica entre comunismo, nazismo e fascismo, distinguindo entre crimes políticos pelo pretexto ideológico que os justificou.

Dir-se-á que esta distinção é escolástica, mas essa não é a minha opinião. A passagem para o plano dos preconceitos do que é apenas expressão de um posicionamento politico-ideológico, tende a culpar agentes concretos (que exageram) em vez de clarificar que essa é a atual linha consistente e coerente da Esquerda portuguesa.

Sem essa clarificação, o legítimo e saudável combate político fica distorcido e falsificado.

Um sistema político saudável é aquele em que diferentes estratégias são apresentadas aos cidadãos para que este possam optar.

No caso em apreço, as opções de privilegiar a escola pública, de estigmatizar a propriedade, de recusar a baixa de impostos para as classes médias, de “proteger” os crimes do comunismo do merecido anátema que tem o nazi-fascismo, assim como a cruzada contra a medicina privada, tudo se insere com coerência numa linha ideológica portuguesa.

Se não percebermos isso, a Esquerda portuguesa não será confrontada com a rejeição dessas políticas, não se modernizará e, apesar disso, será tratada com uma condescendência que não merece.

E o País continuará a pagar o preço desse radicalismo.

A CARTOLA DE MONTENEGRO

Luis Montenegro tirou da cartola o referendo à eutanásia há dois ou três dias. Foi dito por outros partidos que isto era apenas uma manobra política.

A crítica dá vontade de rir e a ela se aplica a célebre frase popular “diz o roto para o nu, porque te não vestes tu”. Ou também se aplica a palavra de Cristo sobre Maria Madalena: “quem entre vós não tiver pecado, que atire a primeira pedra”.

Mas o problema é outro: O PSD – que tinha aliás uma deliberação em Congresso para o referendo - só acordou para o referendo quando um estudo científico revela que eles são o partido com mais católicos e quando Cavaco deu uma dura entrevista contar a eutanásia à RR.

Eu que sou defensor do referendo (mas não sou contra a eutanásia em casos limite) gostaria que quando chegou ao poder Montenegro tivesse avançado com o tema.

Agora, como se diz no Brasil, “Inês é morta”. A votação avança e nem creio que tenha grandes vantagens políticas esta jogada fora de tempo.

O ELOGIO

Ao Presidente da República pela “trouvaille” de colocar os ciganos como agentes da nossa independência no século XVII.

Já alguns explicaram que a história está algo mal contada, e até que era o que faltava que a defesa da independência nacional no passado seja critério para obter respeito no presente.

Será, mas é bom ouvir um elogio a uma comunidade que não é só nem sobretudo definida pelo que motiva críticas na sociedade, e que precisa de fatores positivos para reforçar a sua integração, sempre a melhor forma de lutar contra a discriminação.

LER É O MELHOR REMÉDIO

No Observador de 30 de novembro, o texto “Eles que partem. Um testemunho pessoal”, de Jorge Fernandes, hoje professor de Ciência Política na Universidade Carlos III, em Madrid, após uma brilhante carreira científica internacional e de várias tentativas falhadas de regresso a Portugal.

Trata-se de um depoimento sobre a drenagem de quadros muito qualificados, não tanto do ponto de vista da atração pelo exterior quanto da dificuldade de “furar a endogamia da academia portuguesa” (disse Luís Aguiar Conraria, que por ser professor universitário fala do que conhece).

Por isso o artigo é de leitura aconselhada, e na mesma linha sugiro o “Macroscópio” de José Manuel Fernandes, no domingo, também pelo que diz sobre a Roménia.

O que estes textos revelam é que aparentemente há um sistema (que é generalizado no nosso País) em que não existe concorrência, em que o mérito vale menos do que as conexões e do que simplesmente estar a ocupar um lugar.

Do que se trata, afinal, é de um sistema jurídico – muito claro no mundo laboral também – que ao proteger os quadros como se fossem operários indiferenciados, mata o dinamismo da economia e potencia a estagnação que nos arrasta para a cauda da Europa.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

O que se está a passar na Ucrânia tem tudo para se antecipar uma estratégia de genocídio do povo ucraniano.

Contra isso muita coisa pode ser tentada e outras estão a ser feitas.

Mas a pergunta não é, como talvez pensem, como acabar com a guerra. É bem mais preocupante:

Será que estamos conscientes, nós os cidadãos moderados de países democráticos, que estamos a entrar em tempos que a História nos revela terem sido sempre dominantes, e em que a força bruta e a violência de Estado nos aproximam cada vez mais do cataclismo?

A LOUCURA MANSA

Um jornal para estes efeitos insuspeito (Le HuffPost) e um respeitado instituto de sondagens (You Gov) fazem regulares inquéritos às preferências dos franceses no que a políticos se refere.

Em 1º lugar continua o “gaullista” moderado e antigo Primeiro Ministro de Macro, Edouard Philippe. Mas a seguir no pódio estão Marine Le Pen e Jordan Bardella (líder da União Nacional, antes dirigida por Marine) e depois Sarkozy e Marion Maréchal (neta de Jean-Marie Le Pen e Vice-Presidente do partido de direita muito radical de Eric Zemmour).

Perguntei no domingo em Paris a um bom amigo, intelectual de centro-esquerda, como via a França. A sua resposta foi a seguinte: Marine Le Pen vai ser a próxima Presidente da República. Parece uma loucura, mas se calhar é pior do que isso.


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