Ursula von der Leyen não é o telefone, mas tem o megafone da Europa. E usa-o para dizer as coisas certas.
Com o Tratado de Lisboa, devia ter ficado claro que a liderança política da política externa da União Europeia (UE) estava no Conselho, e a sua execução precisava e tinha de ser coordenada com a Comissão. Por isso o alto-representante está à volta de ambas as mesas.
Se assim fosse, Borrel seria o MNE, mas o seu chefe seria Michel, não Ursula. Com quem se reuniria para tratar da execução.
Acontece que os EM, que criaram a figura de presidente do Conselho, escolheram sempre figuras sem projeção internacional nem capacidade de liderança ou gravitas. O resultado é o enorme reforço da Comissão. Ursula não faz o que os Estados lhe pedem. Ou mandam. Faz os Estados membros, reunidos no Conselho, aprovarem o que a Comissão decidiu propor. E faz questão de que se ache que é assim.
A maior parte das vezes, a Comissão - sobretudo a sua presidente - tem sabido interpretar de forma inteligente e comunicar de forma clara, firme e próxima, o que é o interesse europeu e porque faz o que faz e propõe o que propõe. Este fim de semana, ao anunciar a decisão sobre o limite ao preço do petróleo russo, parecia mesmo que era uma decisão da Comissão.
Pelo contrário, Emanuel Macron, ao falar das supostas garantias de segurança que seria necessário dar à Rússia, fez tudo errado. Confundiu quem precisa de ser protegido com quem tem de dar garantias de não agressão, contribuiu para o argumento russo, mostrou-se pouco fiável para a segurança da maioria dos Estados membros da União Europeia e não ajudou em nada à paz. Só à sua expectativa de eventualmente ficar na fotografia dos acordos que se façam quando a guerra acabar.
O facto de Ursula von Der Leyen estar a fazer as coisas certas, porém, não altera o erro que isto é. O facto de Macron dizer as coisas erradas, agrava-o.
Devia ser o presidente do Conselho a coordenar a resposta externa da UE. Devia ser Charles Michel a falar em nome da Europa. A cara de uma Europa decidida a enfrentar a Rússia e a apoiar a Ucrânia, devia ser a do presidente do Conselho, de quem preside às reuniões de chefes de Estado e de governo. Mas Michel é fraco. E quem o escolheu sabia-o. Os governos não querem que quem preside as suas reuniões tenha peso político. Menos ainda externo. Preferem um político de média dimensão com quem estão habituados a trabalhar. Um ex-colega discreto. É o que têm.
Em vez de ser a Europa dos 27 a mostrar-se unida e decidida contra a Rússia e ao lado da Ucrânia (mesmo que para isso tenha de dobrar a Hungria, como tem sido feito), é a Comissão Europeia que tem dado essa imagem da Europa. Que não tem competências de política externa. Mas que tem os instrumentos, dirão. Certo. Mas podia obedecer a instruções dos Estados, em vez de os guiar, como tem aparecido a fazer. Se os Estados, que têm sido unânimes ou quase a aprovar o que a Comissão propõe, tivessem a iniciativa. Mas não têm porque sem pressão da Comissão (e da Polónia, dos bálticos e dos nórdicos) provavelmente não teriam chegado tão longe.
Quase ao mesmo tempo que Macron falou das supostas garantias de segurança de que a Rússia necessitaria para haver paz, Sanna Marin, a primeira-ministra da Finlândia que liderou o pedido de adesão do país à NATO, explicava que, como a realidade mostra, a segurança da Europa só é possível com a ajuda dos Estados Unidos da América. Macron, dizendo o que disse, deu-lhe razão. Como se prova, o problema não são só as armas europeias, que faltam, é a noção de segurança da Europa, que França confunde com o seu interesse comercial e a sua indústria de defesa.
Se a presidente da Comissão Europeia continuar a ter de ser a líder da Europa, a culpa e o problema é dos Estados Membros. O seu silêncio retira-lhes relevância. As suas declarações equívocas retiram-lhes confiança. Precisamente quando a Europa, a dos povos, mais se uniu e se sentiu europeia.
Se os dois principais países da União Europeia continuarem a parecer fracos com a Rússia e menos empenhados que os Estados Unidos na segurança europeia, serão os principais responsáveis pela suposta falta de autonomia estratégica.
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